A África Austral vive hoje uma das suas fases mais críticas em matéria energética. Países como África do Sul, Zimbabwe, Malawi e Zâmbia enfrentam cortes frequentes de eletricidade, com impactos devastadores sobre as economias, a indústria e o bem-estar das populações.
A estrutura energética da região revela-se frágil, excessivamente dependente da hidroeletricidade, exposta às mudanças climáticas, e carente de investimentos em infraestruturas modernas.
A África do Sul, potência continental, vive hoje sob o peso do seu próprio modelo: uma matriz dominada por centrais a carvão envelhecidas, ineficientes e ambientalmente insustentáveis.
O fenómeno do loadshedding — cortes programados de energia — tornou-se rotina nacional, com custos severos para a indústria, para a confiança pública e para a sua posição regional. É neste cenário que regressa à agenda política uma proposta controversa, mas estratégica: a expansão da energia nuclear.
Actualmente, a África do Sul é o único país africano com uma central nuclear em funcionamento — a central de Koeberg, operada desde os anos 1980. O governo sul-africano pretende agora instalar até 2.500 MW adicionais de energia nuclear até 2030, segundo o seu plano energético nacional.
As vantagens são evidentes: fornecimento contínuo de electricidade, redução de emissões de carbono e estabilidade energética para sustentar uma economia industrial.
No entanto, os desafios não são menores: altíssimos custos iniciais, riscos associados à segurança nuclear, necessidade de importar tecnologia e dificuldades na gestão de resíduos. A energia nuclear, por si só, não resolverá o défice energético sul-africano, mas poderá ser parte de uma solução mais ampla.
A África do Sul está, mais uma vez, a testar os limites entre ambição tecnológica e realismo político. A SADC, enquanto bloco regional, ainda não encontrou um modelo robusto e sustentável de produção, partilha e distribuição de energia.
A integração eléctrica prevista no quadro do Southern African Power Pool (SAPP) avança a passos lentos e as interligações regionais são insuficientes para garantir segurança energética partilhada.
Diante deste quadro, Angola e Moçambique surgem como dois pilares estratégicos capazes de alterar significativamente a equação. Angola possui um dos maiores potenciais hidroelétricos da região, com projetos de grande escala como Laúca, Cambambe e Caculo-Cabaça.
Estes empreendimentos posicionam o país não apenas como consumidor, mas como futuro exportador líquido de energia elétrica. A sua geografia facilita interligações com a Namíbia, Zâmbia e República Democrática do Congo.
Com a conclusão dos estudos para a adesão plena ao SAPP, Angola poderá tornar-se fornecedora de energia a vários vizinhos com défices agudos. Moçambique, por sua vez, é já um actor incontornável no sector energético regional.
A Hidroelétrica de Cahora Bassa, que fornece energia a vários países da SADC, será reforçada pelo promissor projeto de Mphanda Nkuwa, com mais de 1.500 MW projectados.
A par disso, Moçambique detém vastas reservas de gás natural, com potencial para alimentar centrais térmicas de última geração e servir de base para exportações regionais de energia.
A integração de Moçambique no SAPP é um trunfo a ser aproveitado com maior ambição. Ambos países enfrentam desafios comuns: financiamento de longo prazo, modernização das redes de transmissão e reforço institucional.
Mas também partilham oportunidades notáveis. A criação de um corredor energético entre o Atlântico e o Índico, ligando Angola a Moçambique, poderia transformar o sul de África numa plataforma energética continental. A concertação diplomática, técnica e empresarial entre os dois países lé essencial para este objectivo. Esta é uma oportunidade geopolítica rara.
Angola e Moçambique podem liderar um novo paradigma energético africano – baseado na produção sustentável, interligação regional, gás como vector de transição e captação de financiamento climático.
Mais do que resolver os seus próprios desafios, estes dois países podem contribuir decisivamente para a estabilidade energética de toda a região austral. É tempo de assumirmos essa liderança com visão estratégica e cooperação reforçada. A crise energética da SADC não é apenas um sinal de alerta. É um convite à acção conjunta.
Por: ALEXANDRE CHIVALE