Na última década, a África tornou-se um dos continentes mais férteis para a adoção de criptomoedas. Jovens empreendedores, freelancers digitais e pequenos comerciantes recorrem a moedas como o Bitcoin e o USDT (Tether) para contornar barreiras cambiais, reduzir custos de transferência e escapar da instabilidade das moedas locais.
A ausência de infraestrutura bancária em várias regiões, aliada à massificação dos smartphones e ao crescimento do mobile money, transformou as criptomoedas numa alternativa real de inclusão financeira.
Mas se para os cidadãos, as moedas digitais representam liberdade e oportunidade, para os Estados surge um dilema: como tributar uma riqueza que circula fora do alcance do sistema financeiro tradicional? A ascensão das criptomoedas em África não pode ser vista apenas como um fenômeno tecnológico, mas como uma resposta directa a fragilidades históricas dos sistemas financeiros locais.
Segundo dados recentes da Chainalysis, a África é uma das regiões que mais cresce em volume de transações em criptoativos, com destaque para Nigéria, Quênia, África do Sul e Gana.
Essa expansão não ocorre por acaso: 1. Limitações bancárias: Em muitos países africanos, menos de 40% da população adulta tem conta em banco. As criptomoedas oferecem uma porta de entrada para a economia digital, acessível apenas com um telemóvel e internet. 2. Transferências internacionais: A África é o continente mais caro para envio de remessas, com taxas médias acima de 8%.
Com cripto, migrantes enviam dinheiro para suas famílias com custos bem menores e rapidez. 3. Inflação e instabilidade cambial: Países como Zimbabué e Nigéria sofrem com desvalorizações drásticas das suas moedas. Nesse cenário as moedas digitais funcionam como reserva de valor e proteção contra a inflação.
Iniciativas fiscais em países africanos
Diante desse avanço, os governos procuram não ficar para trás: * Nigéria: depois de proibir bancos de lidar com cripto em 2021, mudou de rumo e lançou directrizes fiscais. Atualmente, aplica Imposto sobre Ganhos de Capital às transações em criptomoedas, além de exigir declarações de rendimentos obtidos por plataformas digitais.
O país vê no sector uma forma de aumentar a arrecadação diante da queda das receitas petrolíferas. * África do Sul: foi clara ao classificar criptomoedas como ativos financeiros, obrigando a inclusão dos lucros em declarações anuais de imposto.
Além disso, a Autoridade de Conduta do Sector Financeiro passou a exigir registo e supervisão de prestadores de serviços ligados a cripto, reforçando a base fiscal e de conformidade. * Quênia: inovou ao criar em 2023 um imposto de 3% sobre transações de ativos digitais.
Ainda que controverso, a medida mostrou uma tentativa concreta de tributar a economia digital, mesmo reconhecendo o desafio de fiscalizar operações em plataformas descentralizadas.
Uganda e Zimbabué: ainda não possuem um regime tributário estruturado, mas discutem propostas de enquadramento regulatório, em parte inspiradas pelas recomendações do FMI e do Banco Mundial sobre riscos de lavagem de dinheiro e perda de receita fiscal.
O desafio global
É importante notar que esta não é apenas uma questão africana. Países como Estados Unidos, União Europeia e Índia também enfrentam dificuldades para taxar ganhos em criptomoedas, justamente pela natureza descentralizada das redes blockchain (cadeia de blocos).
A diferença é que, em África, onde a tributação tradicional já é limitada, o impacto da perda potencial de receitas fiscais pode ser ainda maior. No entanto, os exemplos africanos mostram um ponto comum: há espaço para inovação regulatória, seja criando impostos específicos sobre transações digitais, seja enquadrando as criptomoedas nos regimes já existentes (como imposto sobre rendimento ou ganhos de capital).
Para Angola, a ascensão das criptomoedas representa tanto um desafio quanto uma oportunidade. O desafio está na dificuldade de rastrear e regulamentar operações que ocorrem em ambientes descentralizados, muitas vezes entre particulares, sem intermediação bancária.
Mas a oportunidade é clara: ao criar um quadro jurídico e fiscal moderno, o país pode não só aumentar a arrecadação, como também atrair investimentos e estimular a inovação tecnológica. A experiência de países vizinhos mostra que é possível tributar sem sufocar.
A chave está em combinar regras claras, sistemas digitais de monitorização e, sobretudo, políticas que incentivem a formalização dos utilizadores e empresas que operam nesse ecossistema.
Assim, a grande questão para Angola não é se deve ou não tributar as criptomoedas, mas sim como fazê-lo de forma inteligente, transformando a economia digital num aliado estratégico do desenvolvimento e não numa ameaça à sua soberania fiscal.
Por: MARIA DE MOURA
Jornalista e Consultor de Comunicação