Há perguntas que não são apenas ditas, são sentidas. “Como assim ele foi capaz de fazer isso?” É uma daquelas frases que trazem dentro de si espanto, tristeza e uma ponta de desilusão. Surge quando alguém que admirávamos, confiávamos ou simplesmente não esperávamos, toma uma atitude que nos fere ou nos desconcerta. A verdade é que dentro de cada um de nós existe uma dualidade que raramente gostamos de encarar.
Há uma parte que deseja o bem, que age com amor, generosidade e empatia. Mas há também um lado que, por vezes, é movido por medo, orgulho, inveja ou ressentimento. A linha que separa o bem do mal não está fora, está dentro e é muito mais fina do que pensamos.
Ao longo da vida, vamos aprendendo que ninguém é totalmente bom ou totalmente mau. Somos um misto de intenções, de emoções, de feridas antigas e de escolhas momentâneas. Há pessoas consideradas más que surpreendem com gestos de compaixão.
Assim como há pessoas vistas como boas, que num momento de fraqueza ou descontrolo, fazem algo reprovável. Quantas vezes um colega tido como conflituoso é quem fica até mais tarde a ajudar quando há um problema urgente? Ou aquele familiar distante, que raramente fala com a família, é o primeiro a aparecer quando acontece uma doença ou uma perda? Por outro lado, quantas vezes alguém de quem esperamos apoio se afasta no momento mais difícil? Essas contradições não são falhas isoladas.
São sinais da nossa humanidade. Somos feitos de camadas e nem sempre a camada que mostramos é a que domina por dentro. Às vezes, quem mais fere está apenas a gritar silenciosamente por atenção, reconhecimento ou amor. Outras vezes, quem parece forte e equilibrado está a travar batalhas internas que ninguém vê. No ambiente de trabalho, por exemplo, há situações em que a pressão constante transforma uma pessoa amável num ser impaciente, agressivo, injusto.
E, noutros momentos, aquele funcionário reservado e mal-humorado é quem mostra a maior solidariedade diante de uma dificuldade alheia. Na família, o mesmo acontece: pais que erram tentando acertar, filhos que desobedecem mas protegem, irmãos que discutem mas nunca deixam de cuidar. O espanto que sentimos quando alguém nos decepciona nasce, muitas vezes, da imagem idealizada que construímos.
Criamos expectativas sobre como os outros “deveriam” agir, esquecendo-nos de que todos carregamos imperfeições e limites. A bondade e o erro podem coexistir na mesma pessoa, como o sol e a sombra que se alternam no mesmo dia.
Talvez a grande lição seja aprendermos a olhar o outro com mais empatia e menos julgamento. Entender que o erro não define a totalidade de quem somos, mas revela que ainda estamos em processo. O mal, quando reconhecido, pode ser ponto de partida para o bem. A queda, quando reflectida, pode transformar-se em sabedoria.
Antes de perguntarmos “Como ele foi capaz?”, talvez devêssemos perguntar: “E eu, do que já fui capaz quando a dor, o cansaço ou o orgulho tomaram conta de mim?” Essa pergunta traz humildade, humanidade e reconciliação com os outros e connosco mesmos.
No fim, todos somos aprendizes. Uns a tentar fazer o bem, apesar das feridas. Outros a tentar não deixar o mal vencer o coração. E cada escolha, cada gesto, cada palavra, revela de que lado da linha fina decidimos permanecer.
Que a tua escolha hoje seja pelo amor, pela paciência e pela consciência de que ninguém é só o que faz de mal, assim como ninguém é só o que faz de bem. Somos mistura, processo e possibilidade. Recebe o carinhoso e apertado abraço e a promessa de voltar para mais partilhas matinais. N’gassakidila.
Por: LÍDIO CÂNDIDO “VALDY”
			




							



