Desde a Antiguidade, a busca pela verdade tem sido uma preocupação central da humanidade, atravessando a filosofia, a ciência, a religião e a vida social. Aristóte les (384–322 a.C.) definiu a verdade como correspondência entre pensamento e realidade: “Dizer do que é que não é, ou do que não é que é, é o falso; enquanto dizer do que é que é, e do que não é que não é, é o verdadeiro”.
Esta concepção clás sica de verdade, contudo, sofre ho je frequentes distorções pelos me canismos da desinformação, em particular pelas chamadas fake news. Com efeito, compreender o seu funcionamento tornou-se es sencial para preservar a integri dade do pensamento e a autono mia intelectual.
As fake news são construções in tencionais de informação distorcida, com o objectivo de enganar, manipular percepções e influenciar comportamentos. Embora o fenómeno não seja novo, ganhou força com a velocidade da difusão digital, o alcance global e o poder algorítmico, que ampliam a manipulação e dificultam o contro lo.
Não por acaso, um estudo pu blicado em 2018 na Science por Vo soughi, Roy e Aral analisou cerca de 126 mil histórias partilhadas no Twitter entre 2006 e 2017 e concluiu que as notícias falsas circulam mais depressa e alcançam mais pessoas do que as verdadeiras, em grande parte devido à novidade e à carga emocional que suscitam.
Do mesmo modo, o escândalo da Cambridge Analytica, revelado em 2018 pelo The Guardian e New York Times, é paradigmático. A empresa obteve indevidamente dados de até 87 milhões de utilizadores do Facebook, explorando preferências, emoções e comportamentos para direccionar mensagens políticas altamente persona lizadas e influenciar decisões elei torais.
Apesar do impacto directo sobre os resultados ser controverso, o caso evidenciou a fragilidade da privacidade digital, a falta de regulação eficaz e o surgimento de novas formas de poder mediático.
Contudo, a manipulação informacional não provém apenas de fora; envolve também a participação activados utilizadores. Ao fornecer dados e interagir nas redes, cada pessoa alimenta sistemas algorítmicos que, por sua vez, mol dam percepções, escolhas e com portamentos. Nesse cenário, o Big Data transforma hábitos, preferências e emoções em instrumentos de previsão e influência.
Por conseguinte, a liberdade digital revela-se paradoxal: acreditamos escolher autonomamente, mas frequentemente seguimos trajectórias invisivelmente traçadas por algo ritmos. De facto, no universo digital, os algoritmos não apenas seleccionam conteúdos, mas também orientam a atenção e estruturam padrões de raciocínio.
Além disso, os influencers digitais assumem um papel central, concentrando grande poder de persuasão sobre vastos públicos. A confiança que os seguidores depositam nos seus conteúdos raramente é acompanhada de verificação crítica, o que acelera a disseminação de desinformação e reforça vieses cognitivos. Dessa forma, torna-se evidente que a educação crítica não pode se limitar à simples transmissão de informação; ela deve formar cidadãos capazes de discernir, analisar e assumir responsabilidade ética.
Neste contexto, as fake news constituem uma das maiores ame aças do nosso tempo, pois distorcem percepções, corroem a confiança nas instituições e alimentam a polarização social. Suas consequências vão desde a mani pulação política e económica até à propagação de preconceitos, discursos de ódio e desinformação em saúde pública, que pode custar vidas.
Fragilizando o pensa mento crítico e a democracia, as fake news não se configuram como meras mentiras isoladas, mas como instrumentos de poder capazes de condicionar escolhas individuais e colectivas.
Sem literacia me diática e formação em pensamento crítico, jovens e adultos tornam-se particularmente vulneráveis a essas manipulações subtis. Sob esse prisma, Michel Foucault (1926–1984) lembra que a verdade nunca é neutra, estando sempre ligada a relações de poder — o que exige questionar quem se beneficia das narrativas que aceitamos.
Complementarmente, Platão (427 347 a.C.) mantém-se actual com a alegoria da caverna: assim como os prisioneiros tomavam sombras por realidade, hoje vivemos cercados por sombras digitais que seduzem e confundem, levando-nos a crer que vemos o real quando apenas contemplamos reflexos manipulados. Nessa perspectiva, Yuval Noah Harari (1976) evidencia como organizações tecnológicas concentram capacidades sem precedentes para moldar percepções em escala global.
De forma semelhante, Leandro Karnal (1963) observa que nunca houve, na história da humanida de, tamanha concentração de poder sobre a percepção colectiva. No entanto, ressalta a ambivalência das plataformas: a mesma arquitectura que manipula pode também abrir espaços de contestação.
É justamente nesse equilíbrio instável que surge a tensão dialéctica entre liberdade e controlo, uma das marcas centrais do nosso tempo. Por conseguinte, combater as fake news exige acção colectiva e responsabilidade individual.
Em outras palavras, é essencial cultivar pensamento crítico e promover uma educação que forme cidadãos autónomos. Só assim será possível resistir à manipulação, proteger a democracia e manter a verdade como horizonte comum.
René Des cartes (1596–1650) já lembrava que a dúvida é condição para alcançar fundamentos seguros; contudo, no mundo digital, onde bolhas informativas e algoritmos moldam percepções, esse exercício torna-se ainda mais desafiante.
Por isso, o imperativo kantiano sapere aude — “ousa pensar por ti mesmo” (Immanuel Kant, 1724–1804) perma nece plenamente actual: apenas a coragem de pensar de forma autónoma garante a liberdade intelec tual numa era em que a informação se tornou poder, e onde a verdade exige vigilância constante e cora gem para ser buscada.
Por: CARLOS PIMENTEL LOPES