Ser repórter em Angola é caminhar entre luz e sombra, carregando na mão o bloco que regista o país, ouvindo vozes que nem sempre querem ser ouvidas, e enfrentando portas que se abrem e fecham conforme o vento, num ofício que exige coragem em cada passo.
O repórter chega cedo ao local do acontecimento, mas muitas vezes encontra barreiras invisíveis, onde assessores confundem função pública com propriedade, impedindo o trabalho que serve o cidadão, e atrasando a verdade que deveria ser imediata.
Há dias em que o repórter corre atrás do transporte, pede boleia para não perder a entrevista marcada, ou segura o telefone quase sem bateria, porque a redacção nem sempre fornece condições, mas a missão é maior do que o cansaço.
O repórter abandona o prato ainda quente, corre para cobrir um incêndio ou protesto, ou entra numa sala onde nada estava previsto, e precisa transformar o imprevisto em notícia, num ritmo que poucos compreenderiam.
Quando volta à redacção, às vezes exausto, traz histórias que não couberam diante das câmaras, fragmentos de humanidade que pesam no coração, e um texto que precisa defender no alinhamento, porque nem tudo é prioridade para quem decide.
Há repórteres que compram do bolso o próprio cabo, outros pagam transporte para cumprir a pauta, e muitos enfrentam dias inteiros sem apoio técnico, produzindo conteúdo que sustenta o órgão, sem reconhecimento proporcional ao esforço. Pedem ao repórter equilíbrio e imparcialidade, mas esquecem que ele trabalha sob pressão, com prazos apertados e condições limitadas, num ambiente onde o improviso vira ferramenta, e onde a ética precisa ser defesa constante.
O repórter é criticado por pequenos deslizes, como um nome mal pronunciado em directo, mas é raramente elogiado quando humaniza histórias, traduz temas complexos com simplicidade, ou dá voz a quem o país insiste em ignorar. A promoção raramente segue critérios claros, depende de simpatias, humores e preferências, e não da qualidade do trabalho produzido, enfraquecendo carreiras que mereciam crescer, e desmotivando quem realmente carrega a notícia.
Mesmo assim, o repórter encontra brilho na missão, porque testemunha a história acontecer de perto, transforma caos em narrativa compreensível, e serve o público com sentido de responsabilidade, mesmo quando a gratidão não chega.
Nas províncias, os obstáculos são ainda maiores, onde a distância torna cada pauta um desafio, e o repórter se adapta com criatividade genuína, gravando som em ambientes difíceis, e garantindo notícias que alimentam as capitais.
Nos gabinetes oficiais, enfrenta formalidades rígidas, respostas ensaiadas e olhares desconfiados, mas nos bairros encontra espontaneidade, gente que fala com verdade e emoção, e oferece o lado real do país. Nos actos de Estado é tratado como figurante, manos momentos de crise é essencial, procurado para informar com rapidez, mesmo quando antes foi ignorado, num ciclo que revela incoerências públicas. As peripécias tornam-se escola do repórter, ensinando a improvisar com inteligência, a recomeçar mesmo após falhar, a insistir quando todos desistem, e a manter dignidade mesmo no caos.
O papel do repórter é vital para a democracia, porque vigia o poder e questiona decisões, mesmo quando isso lhe custa conforto, e quando enfrenta tentativas de intimidação, que testam a sua integridade todos os dias. Muitos sonham com formação contínua justa, com salários dignos e carreiras transparentes, com políticas que valorizem quem produz, e com condições reais para exercer a profissão, sem depender do improviso constante.
Informar é um acto de resistência silenciosa, que exige firmeza perante pressões externas, e cuidado para não se deixar manipular, mantendo de pé a verdade possível, num terreno onde poucos querem pisar. O repórter aprende a ouvir com paciência, a perguntar com coragem e precisão, a narrar factos sem perder humanidade, e a respeitar o sofrimento alheio, porque a notícia também é responsabilidade moral.
A profissão não vive de glamour nem fama, mas de disciplina, ética e entrega diária, de madrugadas interrompidas pelo dever, e de deslocações que parecem infinitas, num ciclo que só quem vive compreende. Há momentos que ninguém presencia, como lágrimas antes da entrevista difícil, o silêncio de quem perdeu tudo, ou a solidão do repórter num regresso tardio, carregando histórias que o marcam para sempre.
A classe precisa de valorização urgente, com políticas internas transparentes, que protejam quem está na linha da frente, e ofereçam condições dignas de trabalho, para que o jornalismo não enfraqueça.
A promoção por mérito é igualmente urgente, porque é ela que motiva e gera qualidade, e impede que preferências pessoais dominem, permitindo que o talento seja reconhecido, e que a classe cresça de forma saudável.
Apesar de tudo, o repórter não desiste, acorda sempre com o mesmo compromisso, serve o público com verdade e coragem, mesmo quando o mundo não agradece, e mantém a missão viva dentro de si.
As peripécias moldam o carácter da classe, afinam a sensibilidade de quem narra o país, desafiam o repórter a ser melhor amanhã, e fortalecem a identidade profissional, num ofício que nunca deixa de surpreender.
O repórter é o rosto invisível da nação real, que trabalha com dignidade mesmo sem aplausos, e continua firme apesar das dificuldades, porque a verdade é o seu compromisso maior, e o país precisa da sua voz todos os dias. Um repórter. Um repórter sempre… até o fim da vida.
Por: Yara Simão









