Cinquenta anos após a proclamação da independência, Angola encontrase diante de uma encruzilhada histórica que exige lucidez, verdade e responsabilidade. As celebrações do cinquentenário da libertação não podem limitar-se à evocação nostálgica dos heróis, nem aos balanços institucionais.
Devem abrir horizontes de compromisso intergeracional. A independência foi fruto de lutas armadas e sacrifícios morais e políticos que afirmaram o direito de os angolanos escreverem o seu próprio destino.
Contudo, o país ainda se debate com questões estruturais que desafiam o pleno cumprimento dessa promessa de soberania. A geração que viverá o centenário da independência, em 2075, terá entre 60 e 80 anos. Será ela a julgar com serenidade e justiça o legado dos que conduziram os dois primeiros cinquenta anos de vida soberana.
O que herdará essa geração: um país reconciliado, justo e culto, ou uma nação suspensa em expectativas legítimas cuja concretização permanece em aberto e fracturas mal saradas? Esta pergunta deve ser respondida não com moralismos, mas com coragem analítica.
Os cinquenta anos já vividos revelam não apenas conquistas, mas também lacunas que devem ser assumidas com dignidade e desejo de correcção. A geração da luta armada legou-nos mais do que a independência formal: ofereceu-nos um sentido de pertença nacional, uma consciência profunda da pluralidade cultural e uma esperança partilhada.
Edificaram um país em condições adversas, enfrentando o desafio de reordenar uma sociedade colonizada, refundar instituições e resistir às divisões internas. O conflito civil pós-independência, embora trágico, não anulou o sentido da libertação, mas revelou a fragilidade das pontes entre os diversos projectos nacionais. Houve erros e exclusões, sim, mas também resiliência e actos de heroísmo silencioso.
Encontrando-se o país a apenas quatro meses do alvorecer do seu segundo cinquentenário da independência, Angola é uma realidade feita de contrastes: urbana e rural, moderna e ancestral, jovem e envelhecida.
Os filhos da independência já não se reconhecem integralmente nas narrativas da guerra, pois os seus anseios assentam em justiça social, oportunidades reais e dignidade quotidiana.
Esta nova geração valoriza a ética, a competência e o serviço ao bem comum. O seu juízo será severo, caso as promessas se mantenham distantes da realidade. A juventude quer ser parte activa do destino nacional e não apenas espectadora ou figura simbólica. É mister que os responsáveis públicos e privados compreendam esta sede de participação efectiva, criando espaços reais de co-decisão.
A geração entre os vinte e cinquenta anos, hoje em plena actividade social e económica, não pediu para herdar os problemas estruturais do país. Porém, é ela que os deve encarar com firmeza.
Não basta criticar o passado; é preciso agir, corrigir e construir. A restituição do conteúdo social da independência impõe o fortalecimento do acesso à saúde, educação, habitação, cultura, segurança e cidadania. Mas impõe, acima de tudo, coerência moral, rigor institucional e confiança restaurada entre governantes e governados.
A geração futura, nascida após 2025, exigirá uma Angola reconciliada, habitável, ética e inspiradora. Não se moverá pela nostalgia, mas pelo sentido de justiça, fraternidade e oportunidade.
Não se satisfará com obras físicas, mas exigirá instituições justas e valores sólidos. A construção desse futuro começa agora, com cada escola digna, hospital funcional, estrada útil, líder íntegro.
E cada acto de corrupção, omissão ou desleixo será um fardo deixado a quem virá. Por isso, há que cultivar já uma ética do cuidado, da verdade e do mérito, e recusar todo desperdício moral, material e político.
As responsabilidades para os próximos cinquenta anos não são apenas técnicas, mas morais e espirituais. Reconciliar o país é a primeira tarefa, mas reconciliação exige verdade, memória e justiça, não silêncio cúmplice.
Restaurar a confiança institucional é igualmente urgente: sem escolas respeitadas, tribunais justos e saúde digna, nenhuma pátria se sustenta. A juventude deve ser prioridade: acesso a saber, terra, crédito, cultura e participação.
A economia deve ser diversificada com coragem, aproveitando agricultura, turismo, indústrias criativas, empreendedorismo jovem e cooperativismo. A soberania deve ser exercida com lucidez diplomática: firmeza sem hostilidade, cooperação sem submissão. A cultura, essa matriz de identidade, deve ser preservada, valorizada e ensinada como espelho e motor da Nação.
E a liderança, enfim, deverá ser eticamente elevada, culturalmente formada e espiritualmente comprometida. O centenário de 2075 será o reflexo das opções feitas agora. O que deixarmos em estruturas, valores, símbolos e actos, determinará o juízo da posteridade.
Por isso, o cinquentenário de 2025 não deve ser um ponto de chegada, mas um ponto de inflexão. Um apelo à acção leal, à escuta activa e ao pacto intergeracional. A história não absolverá a nossa geração se ela não ousar amar Angola com actos, palavras e estruturas que sustentem a esperança.
Que os que virão possam dizer: Angola foi cuidada, foi dignificada, foi transformada — por gente que acreditou, agiu e serviu com alma clara e mãos limpas.
Por: JOÃO BAPTISTA KUSSUMUA