Nos últimos anos, Angola tem vindo a reposicionar-se no xadrez africano e internacional com uma intensidade que merece atenção. As reformas económicas em curso, a aposta na diversificação produtiva e o papel crescente do país em fóruns multilaterais revelam um movimento claro de afirmação.
Contudo, este movimento não ocorre no vazio: dáse num contexto de transição geopolítica global, em que África, e particularmente os países ricos em recursos, são chamados a escolher entre múltiplas ofertas de cooperação, investimento e influência.
A grande questão que se coloca é: conseguirá Angola transformar a sua abundância em petróleo, gás, diamantes e terras férteis em soberania económica real e sustentável, ou continuará a ser apenas mais um espaço de disputa entre potências?
A transição do modelo rentista
Durante décadas, a economia angolana esteve excessivamente dependente da exportação de petróleo, gerando riqueza momentânea, mas também fragilidades estruturais. A recente queda dos preços internacionais expôs de forma dura os limites deste modelo.
O actual ciclo de reformas procura precisamente inverter essa dependência, apostando em sectores como a agricultura, indústria transformadora, logística e energia renovável.
O desafio é monumental: implica redesenhar políticas fiscais, melhorar o ambiente de negócios e, sobretudo, criar confiança interna e externa. A confiança, vale sublinhar, não nasce apenas de indicadores macroeconómicos; nasce de estabilidade institucional, transparência regulatória e da percepção de que contratos e investimentos são respeitados.
O lugar de Angola na integração regional
Inserida na SADC e na CEEAC, Angola está chamada a desempenhar um papel de charneira na integração económica africana. O país tem condições únicas para se tornar num verdadeiro hub logístico, energético e financeiro, articulando a costa atlântica com o interior do continente.
Projectos como o Corredor do Lobito, que liga o Atlântico ao coração da África Central, ganham uma importância estratégica que ultrapassa a dimensão económica. Estamos a falar de rotas que podem redefinir fluxos de comércio, reduzir a dependência de portos e infraestruturas controladas por outros Estados, e criar novas centralidades no mapa africano.
Contudo, a integração regional não se constrói apenas com obras de engenharia; exige também harmonização regulatória, convergência fiscal e, sobretudo, vontade política. Angola terá de se colocar na linha da frente desse debate, defendendo uma visão que não dilua a sua soberania, mas que ao mesmo tempo permita aproveitar as sinergias regionais.
A nova disputa de influências
No plano internacional, a competição é clara: Estados Unidos, União Europeia, China, Rússia, Turquia, Índia e países do Golfo procuram garantir acesso privilegiado a recursos africanos.
Em Angola, cada uma destas potências oferece pacotes distintos: uns falam em investimento em infraestruturas, outros em cooperação militar, outros ainda em tecnologia ou transição energética.
A armadilha seria encarar estas ofertas como “alinhamentos exclusivos”, quando a verdadeira arte da diplomacia contemporânea é maximizar benefícios mantendo a margem de manobra.
Angola pode — e deve — desenvolver uma política externa pragmática, em que cada parceria seja avaliada não apenas pelo volume de financiamento, mas pelo impacto estrutural que gera na economia real.
O papel da inteligência estratégica
Num mundo onde as grandes potências jogam simultaneamente no tabuleiro da economia, da segurança e da informação, Angola precisa de investir fortemente naquilo a que chamo inteligência estratégica nacional. Trata-se da capacidade de recolher, analisar e usar informação crítica para tomar decisões soberanas, antecipando riscos e oportunidades. Sem inteligência estratégica, qualquer plano económico corre o risco de ser capturado por interesses externos ou distorcido por pressões conjunturais. Com inteligência, Angola pode negociar melhor os seus contratos, proteger os seus recursos e construir políticas de longo prazo.
Conclusão: entre oportunidade e responsabilidade
Angola vive hoje um momento de encruzilhada histórica. Tem recursos abundantes, localização estratégica e capital humano em crescimento. Tem também desafios de governação, diversificação e confiança.
O país pode escolher ser apenas fornecedor de matérias-primas num mercado global turbulento, ou pode assumir-se como centro de decisão africano, influenciando a política regional e projectando poder económico e diplomático.
A escolha é, em última análise, uma questão de visão. Cabe aos líderes angolanos — políticos, económicos e académicos — construir consensos internos que permitam aproveitar a oportunidade.
Porque no século XXI, soberania já não é apenas território; é também a capacidade de transformar recursos em desenvolvimento e desenvolvimento em poder real.
Por: ALEXANDRE CHIVALE