O primeiro contacto que tive com a China não foi físico, mas simbólico. Era uma manhã comum em Luanda, e eu folheava um relatório sobre investimentos estrangeiros em infra-estrutura. Ali, entre gráficos e projecções, estava o nome que se repetia com frequência: República Popular da China. Naquele momento, percebi que a modernização chinesa não era apenas um fenómeno interno, era uma força que tocava o mundo, inclusive o meu país.
Comecei a observar com mais atenção as estradas que cortavam bairros antes isolados, os hospitais erguidos em tempo recorde, os centros de formação técnica com equipamentos de última geração, muitos tinham a marca da cooperação sino-africana. Mas o que mais me impressionava não era apenas a eficiência das obras, e sim a filosofia por trás delas: uma modernização que não negava suas raízes, mas as incorporava com orgulho.
Durante uma visita institucional a um centro comercial chinês em Luanda, fui recebido por um jovem professor que falava português com fluência. Ele me guiou por uma exposição sobre a história da China, desde os tempos da dinastia Tang até os avanços tecnológicos do século XXI.
O contraste era fascinante: ao lado de robôs e painéis solares, havia caligrafias ancestrais, trajes tradicionais e cerimónias do chá. Era como se o tempo não tivesse dividido o país, mas o tivesse costurado com sabedoria. Não se tratava de copiar modelos ocidentais, mas de adaptar o progresso às suas próprias tradições, valores e visão de mundo. Essa abordagem, a meu ver, é o que torna a China uma referência para países em desenvolvimento como Angola, que também busca crescer sem perder sua alma. Nunca estive na República Popular da China.
Embora nunca tenha caminhado pelas avenidas de Pequim, nem contemplado os arranha-céus de Xangai ou os templos ancestrais de Hangzhou. Mas, curiosamente, a China chegou até mim, não como um destino turístico, mas como uma presença constante nas transformações do meu país. A primeira vez que ouvi falar da “modernização com características chinesas” foi num seminário sobre cooperação internacional.
O palestrante, um professor angolano formado em engenharia na província de Sichuan, falava com entusiasmo sobre como a China havia conseguido conciliar crescimento económico acelerado com a preservação de sua cultura milenar. “Eles não copiaram o Ocidente”, dizia ele. “Eles reinventaram o seu próprio caminho.” Essas palavras ficaram comigo. Comecei a observar com mais atenção os sinais dessa influência.
Vi bairros antes esquecidos ganharem estradas asfaltadas, vi hospitais com equipamentos modernos surgirem em zonas periféricas, vi jovens angolanos a estudar mandarim em centros culturais chineses. E, acima de tudo, vi uma filosofia de desenvolvimento que parecia respeitar o tempo, a tradição e a identidade. Certo dia, durante uma visita técnica ao Centro Especializado de Tratamento de Endemias e Pandemias (CETEP), onde colaboro na área administrativa, fui surpreendido por uma conversa entre dois jovens estudantes. Um deles falava sobre a sua experiência num curso de formação em tecnologia oferecido por uma empresa chinesa.
O outro comentava sobre os valores confucionistas que aprendera num módulo de cultura oriental. “Eles são modernos, mas respeitam os mais velhos como se fossem sábios antigos”, disse um deles. Essa frase me tocou, no meio da correria do mundo contemporâneo, onde tudo parece descartável e urgente, havia um modelo que valorizava o passado sem renegar o futuro. A China, aos meus olhos, não era apenas uma potência económica, era uma ponte invisível entre eras, entre o ancestral e o digital, entre o bambu e o aço. Em Angola, essa influência manifesta-se de forma concreta.
As parcerias sino-angolanas têm permitido avanços em áreas como construção civil, energia, telecomunicações e educação. Mas o que mais me impressiona é como esses projectos são pensados: com pragmatismo, sim, mas também com respeito à soberania e à cultura local. Recordo-me de um episódio marcante: durante a inauguração de um centro de formação técnica construído com apoio chinês, houve uma cerimónia em que se misturaram elementos da cultura angolana com gestos tradicionais chineses. O toque do batuque encontrou o silêncio cerimonial do chá. Foi um momento simbólico, mas poderoso.
Ali, percebi que a modernização não precisa ser uma ruptura, pode ser uma continuidade. A modernização com características chinesas, tal como a compreendo, baseia-se num princípio de equilíbrio. Não se trata apenas de construir pontes físicas, mas de erguer pontes culturais e espirituais.
A China conseguiu preservar seus costumes milenares, como a medicina tradicional, a caligrafia, os festivais ancestrais, mesmo enquanto lidera o mundo em inteligência artificial e tecnologia 5G. Esse modelo inspira-me como cidadão angolano. O nosso país também possui uma riqueza cultural profunda, com línguas nacionais, danças, rituais e saberes que não podem ser perdidos no processo de desenvolvimento.
A China mostra que é possível crescer sem apagar a própria história. Num mundo cada vez mais globalizado, manter a identidade é um ato de resistência. A China, com sua modernização singular, ensina que o progresso não precisa vir acompanhado de homogeneização cultural. Pelo contrário: a diversidade pode ser uma força. Essa lição é valiosa para Angola. Ao observar os projectos de cooperação, percebo que há espaço para diálogo, para troca, para aprendizagem mútua, não se trata de importar um modelo pronto, mas de adaptar princípios que respeitam a nossa realidade.
Se há um aspecto que define a modernização chinesa aos meus olhos, é a sua impressionante ascensão tecnológica. Mesmo sem ter visitado a China, é impossível ignorar os sinais da sua presença digital no mundo. Dos smartphones acessíveis com alto desempenho às plataformas de comércio electrónico que conectam continentes, a China tornou-se sinónimo de inovação. Lembro-me de quando um colega do sector de tecnologia me mostrou um vídeo sobre a cidade de Shenzhen.
Era como assistir a um filme de ficção científica, carros eléctricos circulando silenciosamente, drones entregando encomendas, edifícios inteligentes que regulavam automaticamente luz e temperatura. Mas aquilo não era ficção, era realidade, uma realidade construída em poucas décadas, com investimento estratégico em educação, pesquisa e desenvolvimento. Essa grandeza tecnológica não se limita ao território chinês.
Em Angola, muitos dos equipamentos médicos, sistemas de telecomunicações e até mesmo plataformas de ensino virtual têm origem em empresas chinesas. A presença da Huawei, por exemplo, é visível em centros urbanos e zonas rurais, conectando comunidades antes isoladas.
A modernização chinesa também se traduz em números impressionantes. A China saiu da condição de país agrário e empobrecido para tornar-se a segunda maior economia do mundo. Esse crescimento não foi acidental, foi fruto de uma política de reformas que combinou abertura ao mercado com forte controle estatal, sempre guiado por uma visão de longo prazo. Para países em desenvolvimento como Angola, esse modelo oferece lições valiosas.
A China investiu em infra-estrutura como base do progresso: estradas, pontes, portos, energia. E ao fazê-lo, criou empregos, aumentou a produtividade e elevou o padrão de vida de milhões de cidadãos.
Mas o que mais me impressiona é que, mesmo com esse crescimento económico, a China não abandonou sua identidade. Os templos continuam de pé, os festivais tradicionais são celebrados com fervor, e os valores confucionistas ainda orientam decisões políticas e sociais, é como se o passado e o futuro caminhassem lado a lado, sem se anularem.
Ao observar esse percurso, pergunto-me: o que Angola pode aprender com a China? A resposta não está em copiar fórmulas, mas em adaptar princípios. Precisamos de uma modernização que respeite nossas línguas nacionais, nossas tradições, nossos ritmos. Precisamos de um progresso que não destrua, mas que construa sobre o que somos.
A China mostra que é possível ser moderno sem ser genérico, que é possível crescer sem perder a alma. E que o desenvolvimento verdadeiro é aquele que inclui, respeita e transforma com consciência.
Embora nunca tenha pisado em solo chinês, sinto que aprendi muito com esse país. Através dos reflexos que vejo na minha comunidade, nos projectos em que trabalho, nas conversas que escuto, construí uma imagem viva da China, não como um lugar distante, mas como uma ideia próxima.
A modernização, com características chinesas, é uma lição de humildade, de sabedoria e de estratégia. É a prova de que o futuro pode ser construído com os tijolos do passado e de que a identidade não precisa ser sacrificada em nome do progresso.
Por: LUÍS DIOGO MIRANDA









