Num mundo em que a comunicação é essencial ao desenvolvimento individual e à integração social, a capacidade de ouvir assume um papel fulcral. No entanto, um número considerável de crianças em Angola enfrenta dificuldades auditivas que, se não forem detectadas e tratadas atempadamente, podem comprometer de forma irreversível o seu desenvolvimento cognitivo, emocional e académico.
A perda auditiva na infância é, muitas vezes, subestimada ou confundida com atrasos na fala ou problemas de comportamento. Em muitos casos, trata-se de uma condição transitória, como nas otites serosas, que com tratamento médico adequado ou uma pequena cirurgia, pode ser resolvida sem consequências de maior. Contudo, existem situações mais graves, nomeadamente a surdez neurossensorial permanente, que exigem uma intervenção precoce e multidisciplinar, desde o diagnóstico à reabilitação cognitiva e apoio educativo especializado.
É fundamental distinguir, desde logo, dois grandes grupos de surdez infantil: a congénita e a adquirida. A surdez congénita está presente à nascença e pode ser de origem genética ou causada por factores pré-natais e perinatais, como infecções intra-uterinas ou complicações no parto.
Por outro lado, a surdez adquirida pode surgir a qualquer momento da infância, frequentemente associada a infecções do ouvido, meningites, traumatismos cranianos ou até exposição a ruído excessivo.
Apesar da diversidade de causas e manifestações, há um ponto comum em todos os casos: o diagnóstico precoce é determinante. Um bebé que, aos seis meses, não reage a sons, ou uma criança de dois anos que ainda não verbaliza palavras compreensíveis, devem ser avaliados por um especialista. Atrasos no diagnóstico podem resultar em lacunas graves na aquisição da linguagem, no rendimento escolar e na relação com os outros.
Felizmente, os avanços na medicina e na tecnologia auditiva permitem hoje rastrear a audição desde as primeiras horas de vida, através de exames simples e não invasivos como as otoemissões acústicas. A detecção precoce, quando seguida de uma intervenção adequada, seja médica, cirúrgica ou com recurso a próteses auditivas, como os implantes cocleares, pode alterar por completo o percurso da criança.
Por isso, a detecção precoce de alterações auditivas não é apenas desejável, mas sim essencial. Neste caso, é crucial reforçar a importância de rastreios auditivos em idade neonatal, pré-escolar e escolar. Esta prática, infelizmente, nem sempre é universalizada, sendo determinante para minimizar as consequências negativas que uma perda auditiva pode provocar.
Quando detectada atempadamente, a surdez, mesmo que permanente, pode ser contornada através de programas de reabilitação auditiva, ensino especial e apoio multidisciplinar, permitindo à criança desenvolver-se de forma muito mais próxima da norma. Para além da actuação clínica, é também urgente apostar na prevenção. Em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 466 milhões de pessoas sofrem de perda auditiva com marcas de invalidez. Deste total, 34 milhões são crianças.
E, ainda de acordo com a OMS, este quadro pode piorar até 2050, quando mais de 900 milhões de pessoas deverão registrar perda de audição nesse mesmo nível. A vacinação contra doenças como o sarampo, a rubéola ou a papeira, o acompanhamento pré-natal adequado, os cuidados durante o parto e a sensibilização para os perigos de fármacos ototóxicos são medidas simples, mas de eficácia comprovada.
Neste contexto, a escola e a família desempenham um papel decisivo. São frequentemente os primeiros a notar que algo não está bem, seja porque a criança não responde ao ser chamada pelo nome, tem dificuldades em seguir instruções ou apresenta um desenvolvimento da linguagem aquém do esperado. A sua atenção e prontidão em procurar ajuda especializada pode ser o primeiro passo para evitar um diagnóstico tardio.
A aposta na formação contínua de profissionais de saúde, a criação de protocolos de referência entre escolas e unidades de saúde, e o reforço do apoio às famílias com crianças surdas, são medidas que devem ser encaradas como investimento no futuro e não como despesas a adiar.
Porque ouvir é mais do que captar sons. É compreender o mundo, estabelecer relações, aprender e crescer. Negligenciar a surdez infantil é fechar portas ao potencial de uma criança. É tempo de escutar os sinais e agir.
Por: Priscilla Thompson
Fonoaudióloga e Coordenadora da Audioclinic









