Nesta minha edição de hoje, não trago apenas palavras, mas um convite à reflexão e ao desafio. Quero conduzir a minha classe a encarar um género jornalístico que repousa quase adormecido entre nós: a Opinião.
Um género, onde a caneta encontra coragem para pensar alto e o papel se transforma em arena de ideias. Falamos tanto de liberdade, mas fugimos justamente do espaço que mais nos permite exercê-la.
Esse género, que é palco da crítica, do pensamento alto e da ousadia, continua pouco usado por nós. Talvez por medo, talvez por hábito, talvez por um silêncio que se impõe.
Mas é na opinião que o jornalismo reencontra a sua alma, a sua missão maior de despertar consciências e de não se contentar em ser apenas eco de conveniências. Há uma tendência que se enraizou na classe jornalística: o vitimismo.
Muitos de nós insistimos em atribuir ao regime, às instituições ou às “circunstâncias” a responsabilidade pelo estado do jornalismo. Mas é hora de assumir que não somos vítimas das circunstâncias.
A ciência da comunicação é vasta, oferece-nos múltiplos caminhos de actuação, mas em Angola continuamos a reduzir a profissão às funções mais tradicionais: assessoria de imprensa e jornalismo, nesta onde perpetuamos na reportagem, notícia e entrevista. É nesse reducionismo que reside parte do problema. Nos esquecemos de outros géneros jornalísticos.
A título de exemplo, destaco o género de opinião. Sim! O género de opinião mesmo. Porque este, que deveria ser um espaço privilegiado de reflexão, análise e orientação pública, tem sido negligenciado por nós jornalistas.
Resultado: entregamos esse espaço a vozes de fora, a pessoas que não vivem o jornalismo, mas que, com ousadia, ocupam a cadeira que nós mesmos deixamos vazia. E, ironicamente, são aplaudidos por fazê-lo.
Em muitas sociedades, o articulista é um jornalista especializado, alguém que domina um campo de conhecimento ou que carrega consigo a autoridade da experiência. Entre nós, porém, há uma entrega inconsciente do “pão e queijo”.
O género de opinião, um dos mais nobres do jornalismo, escorregou de nossas mãos. Ficamos presos ao factual, esquecendo que informar também é interpretar, analisar, apontar caminhos. A quem entregamos o nosso género de opinião? Por que nos limitamos tanto? O que deixaremos como legado à futura geração de jornalistas? É preciso encarar essas perguntas sem culpar o regime, sem buscar desculpas fáceis.
O medo não nasce do poder político, mas da autocensura. O regime não põe medo nos jornalistas. São os jornalistas que cultivam esse medo, muitas vezes de forma desnecessária. Ousadia é a palavra que precisa reinar em nosso vocabulário.
Ousadia para escrever com clareza, e concisão, com objectividade, sem ferir e sem insultar. Ousadia para exercer o direito de opinião sem desrespeitar a ética e a deontologia do trabalho. Ousadia para ocupar o lugar que é nosso por direito e profissão.
Desde que comecei a escrever, nunca precisei enfrentar o regime para ser lida. Nunca precisei ferir instituições para que as minhas palavras tivessem eco. E nunca fui ameaçada. Por quê? Porque o peso da palavra responsável é mais forte do que o ruído da provocação.
O jornalismo precisa resgatar a sua coragem. O espaço da opinião deve ser retomado, não como arma, mas como ferramenta de análise e consciência. Se não o fizermos, continuaremos a entregar o que é nosso e a lamentar como vítimas aquilo que nós mesmos escolhemos abdicar.
O futuro não se constrói com medo, mas com a ousadia de quem sabe que informar também é pensar. O vitimismo jornalístico é confortável. Ele alimenta justificações, máscara omissões e impede o exercício de autocrítica.
Mas é também um vício perigoso, porque paralisa e nos coloca numa posição de eterna dependência, como se alguém tivesse que nos salvar daquilo que só nós podemos resolver. Escrever opinião não é um acto de bravura isolada, mas um exercício de cidadania intelectual. É através desse género que podemos educar, contextualizar e orientar a sociedade. E se não o fazemos, outros o farão. A opinião nunca ficará órfã, apenas muda de mãos.
A ausência do jornalista nesse espaço abre caminho a pseudoanalistas, comentadores ocasionais e vozes muitas vezes guiadas por interesses que nada têm a ver com a ética do jornalismo.
O público, sedento de interpretação, acaba aplaudindo aqueles que, sem o mesmo rigor, se tornam referência de opinião. Não podemos continuar a ser guardiões silenciosos de um género que pertence à nossa essência.
A sociedade espera de nós mais do que factos crus. Espera análise, espera luz, espera coragem. E a coragem, quando bem usada, não fere, não ofende, apenas esclarece. O medo é o maior sensor que existe, e ele não habita nos corredores do poder, mas na mente de quem escreve. O medo de ser mal interpretado, de incomodar, de perder espaço ou de ser visto como ousado demais.
Esse medo, quando alimentado, transforma jornalistas em espectadores do próprio ofício. A opinião é uma das mais belas formas de liberdade dentro do jornalismo. Não porque permite dizer tudo, mas porque exige dizer o essencial. Obriga-nos a escolher palavras certas, ângulos justos, argumentos sólidos. Ela não aceita improvisos nem discursos vazios. A opinião, quando séria, é construção de memória e legado.
Se deixarmos esse espaço escapar, a nova geração crescerá, acreditando que o jornalismo é apenas relato de factos, quando, na verdade, é também interpretação crítica. E que futuro terá uma classe que não ensina aos seus a ousadia de pensar por si mesma? Assumir essa tarefa não é um convite à imprudência, mas à responsabilidade. É possível ser ousado sem ser ofensivo, é possível ser firme sem ser agressivo, é possível criticar sem destruir. Essa é a ousadia que nos falta. A de escrever com coragem, mas também com elegância e respeito. O vitimismo precisa dar lugar à proactividade.
O regime não precisa ser o inimigo para sermos jornalistas destemidos. O verdadeiro inimigo é a nossa acomodação, a falta de ousadia e a renúncia àquilo que é nosso por natureza: a palavra livre.
O jornalismo não é feito de vítimas, mas de protagonistas. Não somos condenados à margem, nem forçados ao silêncio. Somos chamados a ocupar o centro da discussão, a iluminar com palavras aquilo que o público precisa compreender. E esse chamado exige ousadia, não desculpas.
Por isso, se queremos resgatar a grandeza do género de opinião, precisamos deixar de culpar o regime, as circunstâncias ou as instituições. Precisamos, sobretudo, olhar para dentro da classe, reconhecer as falhas e reconstruir com coragem o espaço que nunca deveria ter sido abandonado.
Quando fizemos notícias, muitas vezes não denunciamos as falhas, não porque “ordens superiores” nos calaram, mas porque o medo de perder cargos e a ânsia de agradar “a quem de direito” despromoveram a ousadia.
Fugimos do género que nos dá liberdade para críticas construtivas e, depois, transferimos culpas ao regime. Mas afinal, quem é este regime que amedronta tanto os jornalistas? Não é uma entidade invisível, é uma estrutura de poder definida.
E, muitas vezes, somos nós, jornalistas, que colocamos sobre ele o peso das nossas fraquezas e das nossas falhas, por medo da reação ou por preguiça de assumir responsabilidades. Desde a meninice, minha mãe me obrigava a ler a Bíblia, para não ser enganada por falsos pastores ou profetas sobre as Escrituras e para ter opinião própria.
Foi naquela Bíblia que havia em casa, de “cor encartida” e gasta de tanto ser folhada, que encontrei a passagem que diz: “Porque Deus não nos deu o espírito de temor, mas de ousadia, de poder, de amor e de moderação.”
Entretanto, minha mãe também me dizia que menino (a) não fala política, esta frase é bem conhecida de quem, como eu, vem de família humilde e obediente. Minha mãe, com seu soprano alto, cantava repetidas vezes esse verso: “Xê, menino, não fala política, não fala política, não fala política”. E assim cresci, entre a ousadia da Palavra e a contenção da tradição.
Hoje, não falo de política, falo de jornalismo, falo de ousadia, falo de verdade. Com a mesma coragem de criança, aprendi cedo que a opinião é liberdade, que o medo nunca poderá será o meu guia. E como menina não fala política, com ousadia e moderação, termino por aqui.
Por: YARA SIMÃO