Vi recentemente um vídeo que me deixou a pensar por longos minutos. Uma mãe resolveu fazer uma brincadeira com a filha: inverteram os papéis. Por alguns instantes, a filha era a mãe, e a mãe, a filha.
Uma dinâmica aparentemente inocente, mas que se transformou num espelho profundo daquilo que, muitas vezes, transmitimos sem perceber. A “mãe-filha” encarnou perfeitamente o papel.
Com um ar sério e tom firme, dizia frases como: “Vamos ao supermercado, mas não vale a pena pedir nada.” “Dinheiro não dá em árvore.” “Come tudo, tens de dar graças a Deus porque há crianças a passar fome.”
“Brinquedo caro? Eu mato-me a trabalhar, não tenho dinheiro para isso!” A verdadeira mãe, ao ouvir-se nas palavras da filha, ficou em choque. Não pela actuação, mas porque reconheceu ali o que tantas vezes repetira. E percebeu, com um nó na garganta, que talvez sem querer estivesse a ensinar algo que não queria ensinar: culpa por pedir.
Medo de desejar. Vergonha de querer mais. A verdade é que muitos de nós crescemos a ouvir frases semelhantes. E, com o tempo, elas passam a morar dentro de nós. Tornam-se crenças. Formam a base da nossa relação com o dinheiro, com o merecimento, com o prazer e com a abundância.
A neurociência já demonstrou que os primeiros sete anos de vida são cruciais na formação do inconsciente. O cérebro da criança está em ondas cerebrais semelhantes ao estado de hipnose, ou seja, tudo o que ouve, vê e sente, grava-se de forma profunda.
Não há ainda o filtro do “isto é verdade” ou “isto é apenas medo do adulto”. O que se diz torna-se verdade absoluta. E essa verdade torna-se comportamento. Adultos que hoje pedem desculpa para pedir aumento. Que sentem culpa por comprar algo para si.
Que acham que não merecem descanso. Adultos que têm medo de sonhar porque ouviram que “quem sonha muito sofre muito”. E não se trata aqui de culpar os nossos pais. Eles fizeram o melhor que podiam com as ferramentas que tinham.
Tinham contas por pagar, preocupações reais, e muitos deles também herdaram as mesmas frases. Mas agora, nós, com mais consciência, podemos mudar a narrativa. Podemos ensinar aos nossos filhos, e a nós mesmos, que querer não é feio.
Que pedir não é pecado. Que merecer não tem que ser sinónimo de culpa. E as questões para hoje são: Que frases tem repetido sem pensar? Será que o seu discurso está a ensinar escassez, mesmo que o seu coração queira ensinar equilíbrio? Será que também você, sem notar, herdou a culpa de pedir? É tempo de rever as palavras. De refazer as pontes. De ensinar que podemos ser gratos pelo que temos e ainda assim desejar mais.
Que podemos dizer “não tenho agora” sem fazer da falta uma condenação. E que o amor não precisa vir embrulhado em culpa. Que Deus nos conceda sabedoria para quebrar os ciclos que já não servem.
E coragem para pedir sem medo, receber com leveza e ensinar com verdade. Receba o carinhoso e apertado abraço, bem como a promessa de voltar para mais partilhas matinais. N’gassakidila.
Por: LÍDIO CÂNDIDO “VALDY