No cenário da política internacional, onde os Estados mais pequenos são frequentemente relegados ao silêncio ou à irrelevância pelas grandes potências, a recente declaração do Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, constitui um gesto de coragem diplomática e um exemplo de protagonismo pouco comum.
Durante a inauguração de um troço da primeira autoestrada do país construída com apoio da China, Embaló exortou publicamente Israel e Irão a cessarem imediatamente as hostilidades, tendo advertido que a Guiné-Bissau poderá “tomar medidas” para contribuir para o fim da guerra.
À primeira vista, tal afirmação pode parecer simbólica ou até desproporcional, tendo em conta o peso geopolítico limitado da Guiné-Bissau. Contudo, o que está verdadeiramente em jogo não é o poderio militar ou económico do país, mas sim o seu posicionamento ético e político num cenário internacional cada vez mais fragmentado e marcado por tensões.
Neste episódio, Embaló não fala com a força de uma superpotência, mas sim com a autoridade moral de um chefe de Estado africano que recusa permanecer calado diante da violência desproporcional e da escalada do conflito.
Este posicionamento não é um caso isolado. Em Março de 2024, o Presidente guineense foi o primeiro líder africano a visitar Telavive no auge das ofensivas israelitas sobre Gaza, onde apelou diretamente ao seu homólogo israelita, Isaac Herzog, pela cessação imediata das hostilidades.
No mesmo périplo diplomático, visitou Ramallah e manteve um encontro com Mahmoud Abbas, líder da Autoridade Nacional Palestiniana, reafirmando o compromisso da Guiné-Bissau com a paz e a justiça na região.
Por esta postura, foi agraciado com o “Grande Colar” do Estado Palestiniano uma distinção que transcende o mero simbolismo e reconhece o valor da sua intervenção.
Mas o seu interesse pela resolução de conflitos vai para além do Médio Oriente. Desde o início da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, Embaló tem demonstrado vontade de contribuir como mediador.
Em 2022, enquanto presidente em exercício da CEDEAO, realizou visitas oficiais tanto a Moscovo como a Kiev. Reuniu-se com Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky, levando-lhes uma mensagem de paz e diálogo, e apelando à procura de uma solução negociada.
Durante o Fórum de Paris para a Paz, revelou que recomendou pessoalmente a Zelensky que abrisse um canal de conversações directas com Putin um gesto ousado e invulgar entre líderes africanos no contexto europeu.
Estas iniciativas enquadram-se numa visão de diplomacia activa, em que Embaló procura projectar a Guiné-Bissau não como um actor periférico, mas como um facilitador do diálogo entre partes em conflito.
De forma discreta, mas firme, tem assumido o papel de mensageiro entre mundos em crescente afastamento, demonstrando que até os Estados com menor expressão económica ou militar podem desempenhar um papel relevante na estabilidade internacional.
Aquilo que Embaló representa, na verdade, é uma reinterpretação do legado africano de mediação, adaptando-o aos desafios contemporâneos da multipolaridade e da instabilidade permanente. Ele entende que os Estados pequenos não precisam resignar-se à irrelevância.
Com coragem política, voz activa e diplomacia simbólica, podem sim influenciar a narrativa internacional e exigir coerência moral num sistema global muitas vezes marcado pela hipocrisia.
Não se trata de imaginar que a Guiné-Bissau venha a impor sanções ou a mobilizar tropas isso seria irrealista e, francamente, desnecessário. Trata-se, sim, de afirmar que mesmo as nações menos poderosas podem erguer-se como actores morais e diplomáticos em defesa da paz e da estabilidade mundial.
Esta é, no essencial, a verdadeira natureza da diplomacia multilateral contemporânea: não o peso das armas, mas a força da palavra e da legitimidade política.
Por: SEBASTIÃO MATEUS
Especialista em R. Internacional