Na partilha de hoje, quero convidar-lhe a reflectir sobre algo que, talvez, também já tenha pensado em silêncio: o desafio de criar filhos nos tempos de hoje. Tudo começou com uma simples ida à farmácia.
Procurava um anti-alérgico para a minha esposa, mas o olhar acabou por se perder numa prateleira, onde repousava uma lata de leite de bebé. Era uma daquelas fórmulas especiais, das que prometem aliviar o refluxo e garantir o sono dos pequenos.
E naquele instante, como se alguém tivesse aberto um velho álbum de memórias, voltei aos dias em que o Gael era bebé. Recordei o nosso desespero. Ele sofria de uma alergia à proteína do leite de vaca e só podia tomar leite hidrolisado.
Em Luanda, não havia. Era preciso pedir às pessoas próximas que estivessem em Portugal que comprassem e enviassem ou trouxessem consigo no regresso a Luanda. É importante aqui manifestar a gratidão eterna a essas pessoas.
Cada lata custava, se a memória não me falha, perto de vinte e cinco euros e durava apenas uma semana. E olhando para aquela lata nos tempos actuais, dei por mim a pensar em quantos pais, neste exacto momento, estão a travar as mesmas batalhas, a fazer contas, a cortar de um lado e de outro, tentando dar o melhor que podem. Cuidar de um filho, especialmente nos tempos actuais, é quase um acto de coragem.
Não apenas pela exigência emocional, mas também pelo peso financeiro. A alimentação, a saúde, a escola, o transporte, as pequenas coisas que somadas, tornam-se grandes. Criar um filho dentro de um padrão minimamente confortável é hoje um desafio para grande parte das famílias.
Contudo, há algo que sempre me desperta curiosidade e inquietação: é entre as famílias com menos recursos que ainda se vê nascer mais filhos. Aparentemente, o que a lógica económica condenaria, o coração insiste em desafiar. E é aqui que a conta não fecha.
Para muitas mulheres, a maternidade representa um sentido, um laço, uma razão para continuar. Para muitos homens, os filhos são a única herança emocional que sentem poder deixar. Há ali uma tentativa de vencer o vazio com o amor, de combater a escassez com o afecto.
Mas nem sempre o amor, por si só, basta. O preço dessa escolha é alto. Não são raras as vezes em que vemos crianças a pedir ajuda nas ruas, ou famílias inteiras a viver em condições precárias.
E a questão que me faço é: Será que falta consciência ou falta oportunidade? Será que essas pessoas não sabem o custo de criar um filho ou apenas não têm escolha e seguem o instinto mais básico da vida, o de continuar a existir, apesar de tudo? Talvez o que falte, em muitos casos, não seja o amor, mas a educação para planear a vida, compreender as responsabilidades e perceber que trazer uma criança ao mundo exige mais do que boa vontade.
É preciso prepararse, estruturar-se, garantir o mínimo de estabilidade emocional e financeira. É aqui que mora a grande dor silenciosa. Porque, na prática, o que acontece é que essas crianças acabam, muitas vezes, a crescer num contexto de privações. Falta o pão, falta a escola, falta o colo disponível. E o pior é que crescem a achar que é normal viver assim. Que a vida é feita de carências.
Que os sonhos são luxos reservados a outros. Por isso, dizer que “crescem na mesma” é uma meia verdade. Crescem, sim, mas crescem com feridas invisíveis. Crescem a sentir-se menos. Crescem a observar a abundância dos outros como se fosse um filme que nunca lhes pertencesse. Crescem a normalizar o que é injusto. São vítimas, não apenas da pobreza material, mas da pobreza de horizontes que lhes é imposta.
São crianças que aprendem cedo demais a engolir a fome, o medo, o silêncio. Que entendem, desde pequenas, que os pais “fazem o que podem”, e que nem sempre o amor se traduz em conforto.
São heróis sem capa, que vencem dias difíceis sem sequer perceberem que o fazem. Que Deus abençoe a sua jornada e lhe conceda sabedoria para cuidar dos seus e responsabilidade nas decisões que moldam o futuro. Receba o meu carinhoso e apertado abraço, bem como a promessa de voltar para mais partilhas matinais.
Por: LÍDIO CÂNDIDO “VALDY”
N’gassakidila.