Políticos de proa de dois grandes países vieram a terreiro, recentemente, e abordaram a questão da guerra na Ucrânia, sempre em defesa do diálogo político para o alcance da paz, despoletando reacções curiosas no Ocidente Colectivo (EUA, OTAN e UE), enquanto entre os actores da guerra houve um bom acolhimento da iniciativa chinesa
O líder da segunda maior-economia mundial, o Presidente Xi Jinping, da China, falou longamente num telefonema de cerca de uma hora com o homólogo ucraniano, Volodymir Zelensky, da Ucrânia, abordando durante a conversa a premente questão do diálogo para alcançar a paz.
Com a honestidade e clareza raras de encontrar em políticos Ocidentais, Xi Jinping disse a Volodymir Zelensky que a China respeitava o princípio da soberania territorial dos Estados, mas deixou bem vincado que a paz com a Rússia tinha de ser alcançada sem comprometer a relação de boa-vizinhança com este país.
Dito noutros termos, a China sublinha a importância do respeito pela integridade territorial dos países, incluindo a Ucrânia, e as “legítimas preocupações de segurança de todas as partes”, numa clara alusão à Rússia.
Por este quesito, segurança, pode depreender-se, claramente, as razões que levaram a China a não condenar a operação especial desencadeada pela Rússia com o fito de desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia, pois na actualidade nenhum líder encara com despreocupação a segurança do seu país.
E lembrou Xi Jinping, ao seu homólogo, que a China, enquanto “membro permanente do Conselho de Segurança da ONU”, não ficaria a observar o conflito de longe na esperança de obter benefícios ou “colocar mais lenha na fogueira”, e reiterou que “o diálogo e a negociação são a única saída”, sublinhando, deste modo, o comprometimento da China com a paz mundial.
Até aqui, a par do Presidente brasileiro, Lula da Silva, o líder chinês é dos raros dignitários internacionais que manifestaram uma postura apelativa para a Paz, enfatizando estes dois elementos da questão: soberania territorial e garantias de segurança.
Também se recusa a armar um dos contendores, tendo mesmo a China apresentado aos dois beligerantes um plano de 12 pontos para uma discussão política de modo a se restabelecer a paz, o qual o lado russo aceita como base para início de conversações.
Do lado ucraniano, e elevando alto a fasquia de uma hipotética saída vitoriosa na guerra, Zelensky assinou um decreto em que descarta, terminantemente, qualquer possibilidade de entabular um dialogo, exacerbando, antes pelo contrário, os sentimentos russofóbicos.
Enquanto isso, no Ocidente Colectivo a notícia do contacto entre Ucrânia e a China foi lido de várias maneiras: de um lado o chefe da diplomacia da União, Josep Borrel, saudou o facto de que a Ucrânia tenha podido normalizar a sua relação com a China, uma potência mundial com uma quietude assinalável, tal como a Rússia, mas, por outro lado, reiterou que a paz estava a ser construída, e teria de ser a Ucrânia a definir os termos da mesma.
Ora, este posicionamento de Borrel destoa com a visão dos pacifistas que almejam uma paz negociada entre as duas partes, podendo ser esta reacção entendida como o implantar de escolhos no caminho do diálogo para a paz.
Aliás, quando russos e ucranianos dialogavam sob os auspícios da Turquia, ainda no dealbar da Operação Especial russa, a Ucrânia foi desencorajada e aliciada com promessas de apoio militar maciço e de toda a índole para guerrear até à derrota total da Rússia.
As expectativas ocidentais, ao que parece, estão agora centradas na aguardada contra-ofensiva das tropas ucranianas para o alcance do objectivo estratégico do Ocidente que passa pela derrota militar e até mesmo desarticulação do regime russo, já que considera ter ganhado a guerra do isolamento económico, político e diplomático, o que, também, na óptica de analistas ocidentais tem sido uma verdadeira quimera.
Do lado americano, a reacção foi crítica por, alegadamente, Xi Jinping ter criticado algum narcisismo das potências Ocidentais em relação a todo o imbróglio criado, que tem raízes fundas a partir dos eventos de Maidan 2014, quando entidades com alta responsabilidade na política americana como o defunto senador John MacCain foi fotografado, eufórico com o recaldo dos eventos, junto de soldados do conhecido e polémico batalhão Azov.
Depois vieram as denúncias de instalação de laboratórios biológicos na Ucrânia, desmentidas no passado, mas assumida, muito recentemente, pela sub-secretária de Estado para Assuntos Políticos, Victoria Nuland, admitindo que os EUA financiaram esses bio-laboratórios na Ucrânia.
A construção de uma infra-estrutura do género às portas de um país “que se pretende abater” soa como uma ameaça clara.
Mas o quadro da ameaça bacteriológico não era o limite. A media americana reportou, recentemente, uma correspondência datada de 17 de Março deste ano, assinada pela directora do Gabinete de Políticas de Não Proliferação do Departamento de Energia dos EUA, Andrea Ferkile, e remetida ao director-geral da Rosatom, empresa russa produtora de energia que tem sob controlo o funcionamento da central nuclear de Zaporijia.
Andrea Ferkile é citada como tendo afirmado que a usina de Zaporijia “contém dados de tecnologias nucleares sensíveis de origem norte-americana, cuja exportação é controlada pelo governo dos EUA”.
Porque estaria lá essa tecnologia, é líquida a resposta: ajudar a Ucrânia a restaurar a capacidade de produção de armas nucleares.
As autoridades russas nunca tiveram dúvida das capacidades ucranianas, pois além de recursos técnicos, tem também disponível know how.
Lula da Silva e a polémica à sua volta
Muito criticado no Ocidente pela sua postura não condenatória da Rússia pela sua Operação Especial na Ucrânia, Lula da Silva reorientou a sua posição, mas mantém-se irredutível em que se tem de parar o conflito e negociar a paz, ao contrário dos que enchem a Ucrânia de armas na expectativa de uma vitória esmagadora sobre a Rússia, insensíveis ao sofrimento dos ucranianos, a perda de infra-estruturas e toda a desarticulação dos mercados de comodities e outras consequências que não poupam mesmo os países que impuseram as sanções contra a Rússia.
Lula da Silva voltou a levantar outra “nova” questão acerca da Crimeia sobre a qual pensa que Rússia e Ucrânia devem se sentar para negociar, negando-se a comentar, entretanto, sobre a pertençaa que país do território agora em disputa.
Os registos históricos mais recentes, entretanto, atestam que foi em 1954 que o então líder soviético Nikita Khrushchov, ele mesmo um ucraniano, agregou a Crimeia à Ucrânia por uma questão de gestão de recursos hídricos.
Assinalam os registos que, no final de 1953, teve início a construção de um sistema de irrigação que tira a água do lago da hidroeléctrica de Kakhovka, no território ucraniano, para o Norte da Crimeia e, com vista a facilitar a sua construção, foi sugerido a Khrushchov que a Crimeia passasse a ser parte da República Socialista Soviética da Ucrânia.
Em Fevereiro de 1954, prosseguem os registos, Khrushchov acatou a sugestão e a Crimeia deixou de ser parte da República Socialista Federada Soviética da Rússia, para passar a integrar a República Socialista Soviética da Ucrânia.
Finalmente, nesta onda de conversações para a Paz, o último engajamento com a questão vem agora da Igreja Católica, através do Vaticano, que já terá estabelecido contactos com a Igreja Ortodoxa Russa, segundo a imprensa, com o objectivo de sentar à mesma mesa delegações da Rússia e da Ucrânia para início de um processo negocial.