Um ano depois de regressar à Casa Branca, Donald Trump enfrenta uma oposição enfraquecida e instituições sob pressão, num ambiente político em que o medo substituiu o debate e a obediência impera no Partido Republicano, revela o site Notícias ao Minuto
A promessa de restaurar “a autoridade do Estado” transformouse num programa de controlo sobre universidades, tribunais e grandes escritórios de advogados. Para vários analistas contactados pela Lusa, um exemplo deste ambiente é o caso da Universidade da Califórnia, alvo de múltiplas investigações federais e de uma exigência inédita: o pagamento de 1,2 mil milhões de dólares (cerca de mil milhões de euros) para encerrar acusações de alegado antissemitismo.
O Governo de Trump justificou a medida como “defesa da liberdade académica”, mas exigiu à universidade a entrega de listas de estudantes e professores envolvidos em protestos contra Israel e publicações críticas do Governo. “O que se exige não é transparência, é submissão”, afirmou Judith Butler, professora em Berkeley, num comentário à pressão política exercida sobre as universidades e também James Milliken, líder de uma prestigiada organização de gestão do sistema universitário, reconheceu que o dilema é existencial. “Sem fundos federais, não sobrevivemos; mas, sem independência, deixamos de ser universidade”, admitiu Milliken perante o Conselho de Regentes. Contudo, para os republicanos, trata-se apenas de “restaurar a responsabilidade institucional”.
“O dinheiro público não pode sustentar ideologias que atacam o país”, defendeu o senador Tom Cotton. O mesmo padrão estendeu-se ao sensível sector da advocacia, onde vários escritórios de advogados estão a ser ameaçados. Nove grandes firmas entre elas a prestigiada Paul, Weiss e Kirkland & Ellis – aceitaram fornecer gratuitamente cerca de mil milhões de dólares (cerca de 800 milhões de euros) em serviços jurídicos ao Governo, após ameaças de sanções federais.
“O Presidente usa o medo económico como instrumento político”, denunciou Jeffrey Toobin, analista jurídico e autor de um artigo no New York Times, argumentando que a estratégia é simples: humilhar o sector jurídico liberal e transformá-lo em braço técnico do Governo. A mesma lógica de intimidação atravessa o sistema político.
“Trump parece continuar a dominar tudo e todos, apesar de estar a actuar num nível sem precedentes ao nível da erosão das normas democráticas, como na perseguição de oponentes políticos como no caso da Procuradora Geral de Nova Iorque, Letitia James ou do seu antigo Conselheiro de Segurança Nacional, John Bolton. Já não se pode falar de um Departamento de Justiça independente, pois a procuradora-geral Pam Bondi tem actuado como uma extensão da vontade de Trump”, disse à Lusa o analista de política norte-americana Nuno Gouveia.
O Departamento de Justiça foi reestruturado, com a criação de uma unidade interna dedicada a investigar abusos administrativos cometidos sob o Governo do ex-Presidente Joe Biden. “Estamos a assistir à erosão silenciosa do Estado de direito”, alertou Andrew Crespo, professor de Direito Constitucional em Harvard, explicando que “o autoritarismo americano não chega com tanques, chega com despachos administrativos.”
Perante esta situação, a oposição democrata denuncia o que chama de “limpeza institucional”, mas reconhece falta de meios para travar o avanço. “O Partido Democrata ainda não se encontrou, o que tem facilitado os republicanos.
Não há nenhuma coerência na oposição a Trump e apesar de termos muitos sinais que o Governo não está a cumprir o que prometeu, o Partido Democrata não tem liderança e parece não saber capitalizar a insatisfação que existe”, disse Gouveia. Entretanto, fora de Washington, os sinais de descontentamento multiplicam-se, mas sem aparentes consequências políticas. Professores despedidos, jornalistas processados e organizações não-governamentais excluídas de financiamento público relatam uma onda de censura indirecta, exercida através de cortes e auditorias.
Em Nova Iorque, a fundação Liberty Watch contabilizou 217 casos de retaliação administrativa contra instituições críticas do Governo, desde Janeiro. Nos ‘media’ o cenário é semelhante com o Presidente a intensificar o uso da palavra “evil” (“mal”) para descrever repórteres, classificando a imprensa como “inimiga espiritual da América”. “Estamos perante a normalização do insulto como linguagem de governo”, avaliou Peter Baker, repórter do The New York Times na Casa Branca.
Ao mesmo tempo, funcionários públicos relatam receio de contradizer ordens superiores, mesmo quando ilegais, e empresas privadas preferem o silêncio para evitar represálias fiscais. “O silêncio é a forma mais eficaz de controlo político”, concluiu o sociólogo Steven Levitsky, co-autor do livro “Como Morrem as Democracias”, referindo que “Trump compreendeu que já não precisa de fechar jornais basta que as pessoas deixem de falar”, num país onde o Presidente governa pelo confronto e o medo governa o resto.









