“Sinais contraditórios” é a expressão utilizada em fóruns económicos para caracterizar a economia mundial em 2025. De um lado, os bancos centrais mantinham (e vão mantendo, com algumas variações) as taxas de juro elevadas para travar a inflação persistente. De outro, empresas e consumidores mostram sinais de fadiga, com desaceleração no investimento e no consumo em várias regiões
O Banco Mundial (BM) considerava que nos primeiros meses de 2025 a economia global estava a fazer uma “aterragem suave”: tendia a estabilizar depois de uma série de calamidades tanto naturais como de origem humana nos últimos anos. Esse momento passou, assinala o BM. No seu relatório sobre a situação económica mundial, publicado em Junho de 2025, o Banco considera que a economia mundial estava de novo a entrar em turbulência e indica que sem uma correcção rápida do rumo, os danos aos níveis de vida poderão ser profundos.
A discórdia internacional, sobretudo relacionada com o comércio, abalou muitas das certezas políticas que ajudaram a reduzir a pobreza extrema e a expandir a prosperidade depois da Segunda Guerra Mundial. As previsões do Banco Mundial, para este ano, somente, indicam que a turbulência reduzirá quase meio ponto percentual da taxa de crescimento do PIB global que se previa no início do ano, cortando-o para 2,3 por cento.
Segundo o BM este é desempenho mais fraco em 17 anos, fora das recessões globais. Esperase que até 2027, o crescimento do PIB global se situe numa média de apenas 2,5 por cento na década de 2020, o ritmo mais lento de qualquer década desde 1960. Além dos factores já mencionados, outros riscos pairam sobre a economia mundial, agravando o cenário de instabilidade. As tensões geopolíticas, os conflitos regionais e as restrições ao comércio internacional têm provocado disrupções nas cadeias de abastecimento, elevando custos e dificultando o acesso a matérias-primas essenciais.
Este ambiente incerto influencia negativamente a confiança dos investidores, que tendem a adoptar uma postura mais cautelosa, adiando projectos e novas contratações. Adicionalmente, muitos países enfrentam desafios internos, como endividamento público elevado e fragilidade nos sistemas de saúde e protecção social, que limitam a capacidade de resposta dos governos perante choques económicos.
O aumento do desemprego e a diminuição do poder de compra das famílias contribuem para a estagnação do consumo, perpetuando o ciclo de baixo crescimento. Se não forem implementadas políticas coordenadas e eficazes, o mundo poderá assistir a uma recessão prolongada, com consequências profundas para o desenvolvimento e bem-estar das populações.
Panorama Global
O crescimento mundial está a abrandar devido a um aumento substancial dos obstáculos ao comércio e a efeitos generalizados de um ambiente político global incerto. Prevê-se que enfraqueça para 2,3% em 2025, com desaceleração na maioria das economias em relação ao ano passado. Isso marcaria a taxa de crescimento global mais lenta desde 2008, à parte de recessões globais absolutas.
Em 2026-27, espera-se um recuperação morna, deixando a produção global materialmente abaixo das projecções de Janeiro. Progressos em mercados emergentes e economias em desenvolvimento (EMDE, na sigla em inglês) na eliminação das disparidades de rendimento per capita com economias avançadas e na redução da pobreza extrema deverão continuar a ser insuficientes. Os resultados dependem, em grande medida, da evolução da política comercial globalmente.
O crescimento pode vir a ser menor se as restrições comerciais aumentarem ou se a incerteza política persistir, o que também pode resultar numa acumulação de tensões financeiras. Outros riscos de revisão em baixa incluem um crescimento mais fraco do que o esperado nas principais economias com repercussões adversas a nível mundial, agravamento de conflitos e eventos climáticos extremos.
No lado positivo, incerteza e barreiras comerciais podem diminuir se as principais economias fizerem acordos duradouros que abordem as tensões comerciais. Esforços políticos globais são necessários para fazer face à deterioração das circunstâncias das vulneráveis Economias em Desenvolvimento e Mercados Emergentes (EMDE) envoltas em conflitos prevalentes e dificuldades de endividamento, enquanto enfrentam desafios persistentes, incluindo os efeitos das alterações climáticas.
Os decisores políticos nacionais precisam de conter os riscos relacionados com a inflação bem como reforçar as suas posições orçamentais através do aumento de receitas internas adicionais e repriorização de gastos.
Para facilitar a criação de emprego e impulsionar as perspectivas de crescimento a longo prazo nas EMDE, são essenciais reformas para melhorar a qualidade institucional, estimular o crescimento do investimento privado, desenvolver o capital humano e melhorar funcionamento do mercado de trabalho.
Perspectivas Regionais
Todas as regiões EMDE (Economias em Desenvolvimento e Mercados Emergentes) enfrentam perspectivas desafiadoras em meio ao aumento de tensões comerciais e incerteza mundial acrescida. Em 2025, prevê-se um abrandamento do crescimento na Ásia Oriental e no Pacífico, bem como na Europa e na Ásia Central — sendo ambas as regiões altamente dependentes do comércio global — e, em menor grau, no Sul da Ásia.
Na América Latina e Caraíbas, projecta-se que o crescimento seja o mais baixo entre as regiões EMDE no quadro do horizonte de previsão, uma vez que a actividade é travada por elevados obstáculos ao comércio e fragilidades estruturais de longa data. Nas regiões com um grande número de exportadores de matérias primas, incluindo o Médio Oriente, o Norte de África e a África Subsariana, prevê-se que o crescimento se arraste na perspectiva de enfraquecimento da procura externa de matérias primas.
Num cenário de deterioração do ambiente global, as previsões de crescimento para 2025 foram rebaixadas em todas as regiões EMDE em relação às projeções de Janeiro. Citando Indermit Gill, vicepresidente e Economista Chefe do Grupo Banco Mundial na introdução do relatório Perspectivas da Economia Global “é evidente que os países mais pobres serão os que mais sofrerão”.
Em 2027, o PIB per capita das economias de alta renda estará mais ou menos onde se esperava que estivesse antes da pandemia da COVID-19. Mas as economias em desenvolvimento ficarão em pior situação, com níveis de PIB per capita 6% mais baixos. Com excepção da China, isso poderá levar a que essas economias precisem de cerca de duas décadas para recuperar as perdas económicas da década de 2020.
Esta situação sombria anuncia-se há pelo menos uma década. O crescimento nas economias em desenvolvimento tem vindo a descer há três décadas sucessivas – de uma média de 5,9% nos anos 2000 para 5,1 por cento na década de 2010 para 3,7 por cento na década de 2020. Isto acompanha o declínio da trajectória do crescimento do comércio global — que caiu de uma média de 5,1% nos anos 2000 para 4,6% na década de 2010 para 2,6% na década de 2020. O investimento, entretanto, tem crescido a um ritmo progressivamente mais fraco. Mas a dívida está a acumular-se.
Em suma, como refere o executivo do Banco Mundial, muitas das forças por trás do grande milagre económico dos últimos 50 anos — quando o PIB per capita nos países em desenvolvimento quase quadruplicou e mais de mil milhões de pessoas escaparam à pobreza extrema — entraram em processo de reversão.
Condições que poderiam ter facilitado correcções políticas relativamente indolores apareceram e desapareceram – as taxas de juro baixas sem precedentes que prevaleceram nas duas primeiras décadas deste século, por exemplo, são agora uma coisa do passado.
Durante todo esse tempo, os decisores políticos permaneceram parados, esperando que as condições melhorassem de alguma forma po si mesmas. Era uma falsa esperança, mas nunca é tarde para fazer a coisa certa, defende Indermit Gill.
Três prioridade para definir o bom caminho
No Relatório sobre as Perspectivas da Economia Global, do Banco Mundial, são apresentadas três prioridades: Em primeiro lugar, reconstruir as relações comerciais: a cooperação económica é melhor do que qualquer uma das alternativas — para todas as partes.
A segunda sugestão do Banco Mundial, refere-se ao restabelecimento da ordem fiscal. A sucessão de choques económicos na década de 2020 causou uma grande confusão nas finanças governamentais em muitas economias em desenvolvimento. Mas dificilmente foram a única causa: na era do dinheiro fácil que precedeu a pandemia de COVID-19, os governos optaram por correr demasiados riscos durante demasiado tempo.
A factura está agora a ser paga: os défices orçamentais até agora na década de 2020 situavam-se numa média de quase 6% nas economias em desenvolvimento, o nível mais alto deste século.
Os custos dos juros, por si só, representam cerca de um terço dos défices. Nos países de baixo rendimento, os apertos orçamentais foram intensificados pela diminuição da ajuda externa, que financia uma grande parte das necessidades críticas tais como os cuidados de saúde. Mais de metade dos países de baixo rendimento estão agora quer com dificuldades de endividamento quer em elevado risco de contrair dívidas.
As economias em desenvolvimento precisam de expandir as suas finanças orçamentais para terem espaço de manobra. Eles têm muito trabalho a fazer a este respeito, sublinha Indermit Gill, porque recolhem muito menos em receitas do que as economias de alta renda – cerca de 25% do PIB em comparação com quase 40% do PIB nas economias mais ricas. Devem intensificar os esforços para mobilizar mais recursos internos — através do alargamento da base tributária e reforçar a administração fiscal e cobrança para reduzir a elisão fiscal e o deslocamento de lucros.
Em terceiro lugar, acelerar a criação de empregos. Em todo o mundo, está em curso uma mudança demográfica histórica — uma mudança que está a intensificar a necessidade de emprego em muitos dos países mais pobres. Segundo os cálculos do Banco Mundial, prevê-se que a população em idade laboral na África Subsariana quase duplique em 2050, crescendo mais de 600 milhões, mais do que qualquer outra região já experimentou durante um período de 25 anos.
A população em idade activa do Sul da Ásia deverá expandir-se em quase 300 milhões durante o mesmo período de tempo, e o Médio Oriente e o Norte de África mais de 100 milhões.
Se estas regiões forem bem sucedidas ou fracassarem na resolução deste desafio determinará as perspectivas para uma paz e prosperidade globais duradouras. Para acelerar o crescimento económico, vão precisar de melhorar a educação e competências da força de trabalho e preparar o terreno para que os mercados de trabalho funcionem de forma eficiente. A economia global está hoje num ponto de inflexão.
As forças que outrora impulsionaram a convergência económica e retiraram milhares de milhões da pobreza estão agora em retirada. Mas este momento oferece uma oportunidade para redefinir a agenda — com renovação da cooperação global, restabelecimento da responsabilidade orçamental e um foco incansável na criação de empregos.
Com acção decisiva, assegura o economista chefe do Banco Mundial, Indermit Gill, os governos de todo o mundo ainda podem recuperar o ímpeto da redução da pobreza — e melhorar o nível de vida para a próxima geração.
Por: Filipe Correia de Sá