Comemora-se em 2025 os 50 anos desde que Angola assumiu a independência. Parece que foi ontem?
Exacto, o tempo passa rápido. E aos 50 anos, um filho também já nos deu bisnetos. Cinquenta anos não são 50 dias. Portanto, acho que os 50 anos da nossa independência criaram também no angolano uma experiência muito forte de independência de vida, de bons e maus, mas costumo dizer que o angolano é um povo muito forte, corajoso e inteligente. Isso tudo vem da coragem do próprio angolano que começou com as ideias de reclamação do não esclavagismo. Esse espírito cresceu no angolano, desenvolveu-se até à conquista da independência.
Cinquenta anos a pessoa em princípio deveria estar licenciada, com filhos, e alguns até netos. Que balanço é que se pode fazer desta Angola gerada ao longo das cinco décadas?
Costumo dizer que, tudo quanto o angolano programou para a existência da nossa independência, hoje, há cinquenta anos, foram passos muito bem concebidos, porque a ideia foi exactamente a liberdade do ser humano. E a liberdade do ser humano com o próprio, para encontrar a liberdade e as oportunidades da vida social. Claro que não é fácil a gestão da vida humana, mas também impossível nunca foi. São 50 anos de independência, 50 anos de liberdade, e tenho certeza absoluta de que um jovem, um angolano de 20 ou 25 anos, não tem a mínima ideia dos 50 anos de independência. A independência não caiu do céu, foi concebida pelo angolano, gerido pelos angolanos e chegamos ao ponto de estarmos aqui sentados e a falarmos sobre a independência.
E foi arrancada a ferro e fogo?
Sim, absolutamente, porque se eu fizer a minha análise da vida das vossas famílias, dos pais, o que cada família passou para que hoje em dia pudéssemos dizer que somos independentes não foi fácil. A independência foi arrancada, não foi oferecida.
Já estamos a imaginar uma menina, que nasceu no Cuito, Bié, aos 12 anos mergulhar na guerrilha onde estavam aqueles que eram considerados ‘homens de barba rija’. O que a motivou para entrada nesta guerrilha?
O que me motivou primeiro foi a vida social que levava e que não era boa, primeiro. Segundo, ver os meus tios e mais velhos – anteriormente o pai do vizinho é pai, o tio é tio. Não digo tios de sangue, mas tios do bairro, da missão onde cresci. O que me motivou foi que em cada momento que passasse um grupo de mais velhos desapareciam, não voltavam mais. Então pensei: tenho que procurar uma das equipas do grupo próximo para me meter nisso. Então, meti-me num grupo que fugiu da garra colonial para se entregar às zonas de guerra para a libertação de Angola. O grupo onde tive que me colocar foi dirigido pelo tio Diandengue. A esposa dele, a tia Lídia Cadete, morreu entre Novembro do ano passado e Março deste ano. O tio Diandengue carregou consigo 75 meninos e meteu-lhes na guerrilha.
Ainda era no Bié ou já no Moxico?
Foi já no Moxico. Aquilo foi deixar imediatamente a Teixeira de Sousa e entrar no Dilolo-Gare. Dar a volta pela Zâmbia e entrar no Moxico.
Foi fácil aceitar uma menina de 12 anos?
Foi fácil. Para mim, digo que foi fácil, porque entrei por vontade própria. Os mais velhos falavam com as crianças, mas não obrigavam ninguém a ingressar. Então, foi iniciativa própria, fomos movimentados e ingressamos.
Como é que nasce este espírito de guerrilheira na filha de um pastor?
Eu acho que a própria bíblia também ensinou muito ao angolano a palavra liberdade. E incentivou muitos jovens e crianças a ingressar na palavra liberdade, porque, sem a liberdade humana, a própria igreja também não tem força de fortalecer as actividades concretas no seio da população. É a educação da bíblia que também me incentivou a engrenar na palavra liberdade absoluta, do meu pai, da minha vizinha, do colega e amigos.
Quem lê o que se escreveu sobre Rodeth Gil nota a presença ou o percurso ininterrupto no MPLA. Não havia outros movimentos para escolher?
Não tive conhecimento, mas, após a retirada da minha casa familiar para a casa comum que é o MPLA, tomei conhecimento que havia a UPA. Depois, na UPA saiu também a UNITA, que não era um partido como a UPA. Não. Os dirigentes da UNITA saíram da UPA, o que também ninguém me pode desmentir. Um dos exemplos é o chefe maior da UNITA, que trabalhava com o Holden Roberto. Preferi o MPLA porque dentro sempre existiu não só a política, como também a educação, o civismo, a organização, enfim. Então a pessoa optava por aí, porque se aprendia mais qualquer coisa para além da política. A pessoa aprendia mesmo e crescia mentalmente.
Nunca se sentiu balançada ou sempre teve a percepção de que seria através do MPLA que chegariam à independência facilmente?
A palavra de ordem do MPLA, que foi incutida na mente do militante do MPLA, sempre foi lutar, liberdade e desenvolvimento. Por aí, a gente sabia onde estávamos e vamos estar. Não havia grandes dúvidas, porque, mesmo dentro do MPLA, em todo o sítio onde esteve, as escolas estavam. Eu fiz a enfermagem no MPLA.
Na mata?
Na mata. O professor era o camarada Xamavu. É o nome de guerra, o próprio não conheço. Hoje estou a ouvir alguns camaradas os nomes próprios, mas não conheço. Quando falam as alcunhas, já sei que se está a falar do camarada tal.
Há algo engraçado nesta formação em enfermagem. É que depois tentou se formar em medicina e desistiu. É verdade?
Tentei fazer a medicina, mas não consegui concluir após a independência. Fui uma das enfermeiras a organizar o hospital militar, mas depois as políticas acharam que isso só não chega.
Como é que viveu o dia?
Estava o Dr. Américo Boavida incomodado, então eu, como enfermeira, fui escolhida para cuidar do líder. Portanto, enquanto se pro- clamava a independência, eu estava nesta casa, que também era um posto médico.
Mas nem por isso deixou de viver o dia com alegria, embora estivesse a cuidar do Dr. Américo Boavida?
Tínhamos o radiozito do Dr. Américo Boavida ligado e a acompanharmos todo o discurso do camarada Presidente, assim como todas as palavras das pessoas que falaram neste acto. Até à altura da proclamação na voz do Presidente Agostinho Neto, acompanhei neste rádio que estava em casa onde estive.
Viveu o dia com muita alegria?
Risos…
Agostinho Neto é considerado o pai da Nação. Defende esta tese com unhas e dentes?
Defendo perfeitamente, porque, realmente, Neto foi por onde ele passou nas prisões da PIDE, onde esteve para se safar das cadeias e agarrar a direcção do MPLA, que lhe foi obrigada a assumir pelos seus colegas que a dirigiam, fora de Angola. Ouvir isso tudo dava sempre coragem, fortalecia a retaguarda. Não tínhamos como.
Que informações tinha dos líderes da FNLA e a UNITA, concretamente Holden Roberto e Jonas Savimbi?
Eram líderes dos partidos que dizem que lutavam pela independência. Mas também sabiam que a independência pela qual esses líderes lutariam não seria uma independência total para o angolano.
Por que diz isso?
Digo isso porque você que quer a liberdade é porque conhece o que queres. Agora, não saber o que queres perfeitamente, você quer que tipo de liberdade? Com o estrangeiro no seu meio e você com ele e tudo? A pessoa que você está a fugir vais mais se unir com ela? Que liberdade é que você quer? A liberdade não se oferece, arranca-se. O angolano, com o colonialismo português, … só o nome colonialismo é que te vai dar algo para você? Está a te oferecer a liberdade, mas ele é colonialista. Você tem que ter a mente de que quer a liberdade total. Então, quem se juntou ao colono não pode se enfiar também aí com as suas ideias. Não pode, está a mentir. Só por isso que eu própria, na altura era criança, sabia que não me ia ligar a um partido ligado ao colono. O MPLA estava a lutar pela independência total e completa, então vou para esse partido.
Hoje, alguns sectores da oposição, com realce para a UNITA e a FNLA, criticam o facto de existirem três pais da independência, nomeadamente Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi, e apenas um deles estará a ser reconhecido. Defende a mesma ideia?
Conheço que quem lutou para a independência de Angola chama-se António Agostinho Neto. O MPLA, sim senhora, somos angolanos, um povo da mesma nação, a independência é nossa, o que passou, passou. Agora é a união e mais nada. O MPLA hoje em dia não vê a UNITA, a UPA. O MPLA hoje em dia só vê o angolano, a nação e a liberdade.
‘O povo angolano não é cego, pode não abrir a boca, mas conhece’
Alguns líderes da oposição, por exemplo, há dias ouvia o mais velho Ngola kabangu e são partidários de que se deveria erguer um monumento onde pudessem estar os três líderes. por exemplo, ali no 1.º de maio teríamos o dr António Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi. o que acha da ideia?
Eu também lhes perguntaria: por que só agora? O busto de Agostinho Neto não nasceu agora. Tinha que ser no momento em que o busto do Agostinho Neto estava a ser tratado, o local a ser pensado e escolhido. Deveriam se juntar ao MPLA para esta ideia, que seria estudada e os militantes resolveriam o problema. O povo angolano resolveria. Por que só agora? Eu não estou contra o busto deste ou daquele, mas os partidos têm que saber como conversar. A mim, se aparece um colega político da oposição a propor-me esta ideia, eu perguntaria: por que só agora? Só agora é que abriram os olhos?
Como foi viver os primeiros anos de independência?
Assim que o MPLA entrou, criou as regiões político-militares. Eu fui colocada no Bié. Em Luanda, fiquei pouco tempo. Depois, o MPLA teve que ver as pessoas que iriam dirigir a política e a governação. Na altura, a pessoa era político e também militar. Fui colocado também no Bié, a minha sorte foi que encontrei mais velhos e integrei-me. Um deles é o meu tio Francisco, como lhe chamava. Não era meu tio que conheci na era colonial, não. Ele é que me apanhou e disse: você é filha da minha prima directa. Vou mostrar onde nasceste aí nos Eucaliptos. É o pai do Isaac dos Anjos. Então fiquei no Bié, onde o MPLA me mandou. A primeira coisa que fiz foi dizer: tio e tias, porque não chamava de camaradas, uma vez que eram mais velhos, temos que ter um quartel em condições, criar as nossas forças armadas. Temos aqui as forças armadas, não temos onde ficar e os militares não podem estar nos bairros junto à população, porque pode ser uma confusão. O quartel- general ainda estava com a tropa colonial e não temos. Então,
foram avisados e eles fizeram uma formatura muito grande. Fui para lá com o tio Francisco mais um outro, avisaram que estava a vir a comandante do MPLA das forças armadas e vai ficar neste quartel. Eles aceitaram com passividade. Fui para lá, abriram o portão e entrei, dirigi-me à formatura da tropa. Tive a possibilidade de fazer aquelas políticas militares, todos posaram as armas. Falei com o Tio Francisco, recolhemos o armamento, vinham 12 comigo da Jota, colocamos nos camiões militares da própria tropa colonial. Criamos um paiol no sítio onde a tropa tinha que ficar. E combinamos imediatamente a retirada da tropa colonial. Os helicópteros e os camiões começaram a ajudar, eles próprios começaram a sair para o Huambo, onde se centralizaram, e depois a retirada deles. Fiquei com o quartel, as FAPLA entraram. Era a minha primeira casa, não tinha nenhuma outra, depois a política arranjou a forma de eu ter uma casa na vila ou bairro.
Angola torna-se independente em 1975 e com isso há a guerra. Previam que fosse começar logo a seguir a independência e perdurar?
Os próprios conflitos anteriores e os outros partidos não aceitaram se juntar, previa-se. Era o clima de guerra. Entramos em guerra e a razão, como sempre, vence na luta.
Quem foi a razão?
Eu acho que a razão foi do partido que lutou pela união nacional, que é o MPLA. Agora imagine: a UNITA disse que é no Sul, a UPA disse que é no Norte, o MPLA disse que é a Nação: Angola. Aí só tinha que vencer mesmo quem defendia a liberdade da Nação e não das regiões.
E a guerra veio até 2002 com a morte de Savimbi. Se ainda fosse vivo, não teríamos paz?
Eu acho que o tempo lhe emanciparia. O próprio tempo e atitude da governação do MPLA levavam o Savimbi a emancipar-se. Ele foi um pouco teimoso, mas isso é próprio do ser humano. É sempre ambicioso e tudo. É pena. Lembro-me de numa reunião dirigida pelo Presidente José Eduardo dos Santos, da Comissão Militar, em que estive presente, se não me engano era a única mulher, a vermos na televisão onde esteve o Savimbi, ladeado pelas FAPLA e o Presidente a dizer tragam-lhe vivo. Estávamos numa sala de reunião. Ele não aceitou, os meios de transporte foram mobilizados. Preferiu mesmo lutar nas condições em que já estava. Não tinha como vencer a guerra.
Até que as guerras de 1975-1991 e daí até 2002 atrasaram o país?
Muito, porque a Nação praticamente parou. Se Agostinho Neto disse que a agricultura é a base, é a agricultura que desenvolve a economia de qualquer país. Não é petróleo, não é o diamante. Porque quem está a explorar o petróleo precisa de comer e quem está no diamante também. Neto, quando lançou essa palavra, com essa guerra sem agricultura, enfraqueceu-se muito a Nação, a população. E depois a deslocação da população das suas áreas habituais para as cidades. Isso enfraqueceu muito a economia do país
Estamos há 22 anos desde que se alcançou a paz. Nestes anos, o que se pede ao MPLA que está no poder é o que se deveria dar ou há necessidade de mais algum tempo?
Não digo que é o que se devia ou então mais algum tempo, a gente tem que trabalhar e pôr em prática aquilo que aprendemos nas nossas casas, na política e na vida militar, porque uma Nação sem uma produção não se pode desenvolver. E nós precisamos exactamente de desenvolver uma Nação porque não temos guerra. Terminou a luta militar e agora é a luta de fome. Por que temos que gritar fome se temos o espaço nacional livre? Temos que produzir para podermos ter a economia forte. Eu digo, com franqueza, que acho que todos os angolanos, mesmo vocês próprios, poderão concordar comigo, não é o petróleo e o diamante que faz avançar a vida dos angolanos. Temos uma terra com rios. Temos muitas coisas para desenvolver a nossa Nação. Com o peixe podemos fazer dinheiro. E o angolano é muito capaz nas iniciativas produtivas.
Olha-se muito para o petróleo e os diamantes em relação à agricultura?
Eu acho que sim. Não exploramos. Todos os fins de semana, uma pessoa se não vai ao serviço, vamos andar um pouco e ver que há muito mato. Por que tanto mato?Esse mato deveria avançar para a lavra. Queremos construir prédios, ok. Então passa da lavra para prédio. Mas à agricultura tem que ser dada a possibilidade que permita abrir as indústrias. Por exemplo, aqui em Luanda tivemos fábricas de tecidos, quem saía daqui até Catete via de um lado e do outro cheio de algodão. Sustentava as fábricas de tecidos e tudo. Agora não temos mais nada disso, como é que podemos avançar? Se até a própria comida, a fuba de milho, tem que vir não sei de onde! Por que é que temos que importar a fuba, óleo, enquanto temos possibilidade de fabricar estas coisas? O que é que está a faltar no angolano? É a vontade própria.
As pessoas não têm vontade de ir para o campo?
Acho que não. O angolano gosta de ficar nas cidades, na praia. O angolano sabe que na praia vai tomar banho, mas quando sair da água tem que comer para poder voltar outra vez e sustentar o dia todo. Mesmo no hotel, tem que se dar a comida. Não se pode comparar o que se compra com o que se produz. Portanto, temos que produzir.
Há quem fale na existência de um lobby forte da importação que pode até travar determinadas políticas. Concorda?
Se as pessoas estão a falar é porque existe isso, mas produzindo enfraquece este tipo de rede. Tem que haver incentivo na agricultura. Sem a produção nacional, essa equipa ou tal rede… Porque isso é máfia: matar o que é teu para trazer o que é do outro. Não podemos matar a nossa terra, ela é fértil. Se apostarmos na agricultura, ninguém mais vai comprar nestes que mandam vir. É uma rede que vai desaparecer.
O que há hoje nos famosos campos de algodão que existiam em Catete?
Epa, estou a ver umas construções. Só construções.
Cinquenta anos depois da independência, com as guerras coloniais e outras que culminaram em 2002, podemos dizer que os angolanos estão reconciliados, nos vimos simplesmente como angola- nos ou ainda existem algumas fissuras nas relações?
Digo aquilo que penso. Não posso dizer que ainda. Claro que a palavra oposição existe e tem as suas atitudes. Pior então nós em Angola, em que cada um acha que eu sou, invés de dizer nós somos. Temos que optar pela palavra nós e deixarmos cair a palavra eu, porque se não houver o espírito comum não vamos a sítio nenhum. Não vamos conseguir sustentar o nosso desejo do bem-estar. A Nação precisa ser desenvolvida com espírito comum, com a palavra nós. Vamos pôr a política nos cantos e a palavra nós à frente. E mais nada.
Falou da oposição, tem feito bem o seu papel?
Não sei. Eu não fico no meio da oposição. A oposição para mim ou os opositores são angolanos. Não tenho ódio nem vejo como outro… São angolanos. Têm que pensar como angolanos. Angola precisa de ser desenvolvida. Depois temos filhos, netos, bisnetos. Vamos aonde se não tivermos a ideia de dizer somos angolanos e Angola tem que se desenvolver. Hoje estamos a ver tanta gente. A cantina é de quem? A pessoa se sai mesmo de casa e entra no mercado, 85 ou mesmo 95 por cento não são angolanos. Até quando? E o angolano é um povo muito inteligente. Repito: o angolano recebe todos os povos e de todas as nações.
Como é que foi possível esta alteração do quadro: depois da independência, as lojas e cantinas eram geridas por angolanos. As oficinais e carpintarias. Mas hoje temos os malianos, há sectores liderados por eritreus e outros. O que se passou?
Eu acho que, após a guerra o angolano, entrou numa miséria. A fome. Porque praticamente as lavras foram abolidas, a deslocação do ser humano ficou tão intensa e as nossas fronteiras completamente abertas. E essas pessoas fugiram a miséria nos seus países, quando entraram em Angola encontraram terras férteis. Não lavram, mas têm aquilo que sabem que o angolano come: o arroz, feijão, o óleo. Penetraram assim. Hoje, se vermos, o angolano pensa: vou alugar a minha cantinazinha, pelo menos tenho um dinheirito sempre para me sustentar. Com a cantina aberta não tenho nada para vender aí e o estrangeiro chega a ter possibilidade de pôr alguma coisa aí para vender. Ficamos assim.
Fala-se hoje de desemprego, fome, as pessoas queixam-se do acesso às escolas e investimentos. Faltou alguma coisa nesta fase em que esta- mos às portas dos 50 anos de independência? É membro do Conselho de Honra do MPLA, tem recebido pessoas que se queixam disso também?
Realmente, diariamente a pessoa recebe tantos, tantos, tantos… Estão a ver que batem a porta, mas não são gente aqui da empresa. São gentes que veem de fora e apresentam os seus problemas. Mas também, por exemplo, não conheço as nações todas. Conheço dois ou três países africanos, a Tanzânia, sobretudo, a Zâmbia, passei por lá, mas não vivi, os Congos, há nações cujos próprios povos assumem a responsabilidade que lhes cabe como donos da Nação. Nós, os angolanos, após os tumultos de guerra, não sei se nos cansamos, vimos nos estrangeiros os salva-vidas. Vou alugar a minha casa e vou não sei aonde, fico sem lavra e tudo. É o que se vê com as lojas todas que vimos por aí. Não sou contra algum investimento estrangeiro. Antes pelo contrário. Mas, o estrangeiro que investe em Angola tem que pôr o angolano como trabalhador. Não é pôr o angolano como servidor, que trabalha um mês e depois dá 100 mil kwanzas ou três mil kwanzas.
Além dos investidores, também tem visto muita mão-de-obra estrangeira?
Absolutamente. Nós não podemos ser surdos nem cegos. Temos que ouvir, ver e falar, por- que se queremos ajudar a Nação a dar bons passos, o que notar- mos que não está correcto temos que falar, fique mal quem ficar.
Nasceu no Bié, uma das províncias mais martirizadas durante a guerra. Hoje, o processo de reconstrução teve avanços tão significativos?
Eu acho que ainda não, apesar de estar há muito tempo que não vejo o Bié, mas a acompanhar a evolução. Apesar de precisar ir mesmo na minha área. Conheço bem Angola, de Cabinda ao Cunene, municípios e comunas, mas o Bié deveria se desenvolver mais um bocadinho. Acho que o chefe da Nação angolana, o camarada Presidente João Lourenço, dá o poder aos governos provinciais, agora este poder tem que ser bem exercido na decisão do desenvolvimento socioeconómico de cada província. É o que é necessário.
O poder não tem sido bem exercido pelos governadores?
A 100 por cento não. Os governadores podem me telefonar e dizer não sei o quê, as orientações existem. A falta de desenvolvimento local não pode depender da central. Você que está no local é que conhece os problemas do povo e propõe o que se deve fazer real- mente. E depois alavancar.
É comum alguns governadores queixarem-se da falta de dinheiro. É razão para não fazerem muito?
Mas o dinheiro também se faz no local. Se a pessoa tem X hectares de milho, feijão, disso ou daquilo, esse produto faz dinheiro. A central faz dinheiro como? Não há fábrica de dinheiro. Ele faz-se no país com a produção e o trabalho que se realiza a nível de cada área. Não podemos nos queixar.
“O meu partido está bom. Podem entrar. O MPLA é como uma família, está a mãe, o pai e os filhos”
Ao longo destes 50 anos, vivemos um período de guerra e depois de paz. Há um nome que não se pode apagar, José Eduardo dos santos, que não vai estar nestas celebrações. o que lhe vem à memória quando pensa no antigo presidente? O camarada Presidente José Eduardo dos Santos exerceu o seu poder num espírito muito comum, na humildade, inteligência. Costumo dizer que a humildade é que é o centro da inteligência. O camarada José Eduardo dos Santos exerceu a Nação desta forma, apesar de que, após a guerra, o que ela fez, não seria tão fácil desenvolver de forma como ele programou. Mas fez, trabalhou muito. Pelo menos, foi ele próprio que fez um estudo e propôs que lhe vai substituir. E propôs a pessoa que o substituiu, que é o camarada João Lourenço. Uma pessoa humildade, inteligente, directiva, só que as pessoas que estão ao seu lado têm que entender isso para ajudar o chefe marchar a bem como ele quer.
Não estão a ajudar?
Têm que ajudar ainda que não queiram. Mas muitas vezes o ser humano é complicado.
Um dos fardos herdados pelo presidente João Lourenço é a questão da corrupção, em que agora se empreendeu um combate. lembro-me de ter ouvido do próprio presidente, num dos seus discursos, que nem que tivessem que ‘tombar’ alguns dentro do próprio partido, o combate teria que avançar. como é que vê esta situação?
Que a corrupção criou problemas, criou problemas. A situação de determinadas crises que estamos a viver no país foi plantada pelos corruptos. Se a palavra de ordem é combater a corrupção, temos que combater com garra. O corrupto não é uma pessoa fácil de ser encarada, mas também é uma luta que não é impossível. Se lutamos contra o colonialismo português, que 500 anos ficou em Angola, conseguimos, o corrupto também tem que saber que tem um fim. O povo angolano não é cego, pode não abrir a boca, mas conhece. Então, o corrupto também é conhecido. Tarde ou cedo, vai desaparecer.
Como é que encara o combate à corrupção?
Não é fácil. Eu pessoalmente não estou nesta tropa. Mas claro que todos nós estamos preparados para combater esta gente, ainda que procurem forma de nos fugirem e tudo. Isso tem fim. Vamos nos juntar na luta contra a corrupção.
Como é que está o seu partido, o MPLA?
O meu partido está bom. Podem entrar. O MPLA é como uma família, está a mãe, o pai e os filhos. Todos não pensam da mesma forma. Por mais pais, unidos com o espírito da união que tenhamos, há sempre um filho e outro que gosta de se esconder num cantinho. Até as tantas horas, ninguém sai de casa. Há sempre um que foge do quintal, vai e quando chega nem bate a porta, pula e entra. Existe. Temos que reconhecer que isso existe.
O slogan ‘‘o MPLA é o povo e o povo é o MPLA’’ ainda faz muito sentido hoje?
Absolutamente. O MPLA é o povo e o povo é um MPLA. E o povo grita vitória.
Quais são os grandes desafios do MPLA nesta altura?
Os grandes desafios do MPLA nesta altura são vários: a luta contra a corrupção, contra a miséria que atingiu a população, a fome. Cada um de nós tem que saber o que tem que fazer por si. Realmente, gosto de dizer que se cada um de nós não assumir as suas responsabilidades, ninguém vai assumi-las por nós. Não posso esperar que alguém venha para me oferecer pão. Tenho que ir à luta para o meu pão. Se vou à luta para o meu pão e tenho a vizinha ou o vizinho na rua a pedir, vou dividir o meu com ele, mas vou perguntar: vizinho, o que você sabe fazer? Então, vamos fazer isso para ver se amanhã sai o seu pão e dele também sai para a vizinha que está pior do que você.
O MPLA vai realizar o seu congresso entre os dias 16 e 17, onde se vai debruçar sobre o que fez durante os cerca de 50 anos de independência. É dirigente do MPLA e membro do seu conselho de Honra. como classifica este balanço?
É positivo. Eu posso dizer uma coisa, o MPLA pode ter uma ou outra coisa que o apoquenta um bocadinho, mas dentro do MPLA isso é solucionado. Isso é muito importante. É segredo político. Aí ninguém nos aguenta. O segredo político é a chave mais forte que as portas do MPLA têm.
O que lhe veio à cabeça quando viu o presidente João Lourenço a assumir o poder em 2017?
O que me veio à cabeça foi: primeiro, é militar, político, jovem, competente e humilde. O centro da inteligência é a humildade.
Hoje já está com muitos cabelos brancos?
Ah, pois, estão a lhe pôr velho tão cedo com um monte de problemas que não prestam para nada. Inventem. Estão a envelhecer o jovem.
Pode fazer uma avaliação deste percurso do presidente João Lourenço ao longo dos sete ou oito anos?
Sim. O que sei é que vem dirigindo a Nação com uma inteligência muito humilde. Tenho certeza de que as pessoas mais próximas dele ajudam naquilo em que ele pode ter alguma dúvida ou então que não esteja muito perto das situações. O que é necessário é que as pessoas que ladeiam o Presidente continuem a ser sérias para com ele, que não vejam as coisas e não digam. Têm que ver, ouvir e transmitir. E dar opiniões, porque uma pessoa sozinha não faz nada, mas com todos faz tudo.
Quando se comemorar 50 anos de independência no próximo ano, haverá, certamente, uma festança. o que gostaria que o presidente da república dissesse aos angolanos?
Encorajar os angolanos para que tenham garra nas mãos. Cada um, no seu canto, sentir-se responsável pela Nação angolana.
Não tem acontecido isso?
Tem acontecido, mas o ser humano é complicado.