Dos 16 municípios que a província do Uíge possui, apenas três têm energia eléctrica convencional. A electrificação da província é um desafio que o governador elege como o principal e que acredita estarem próximos de conseguir. José Carvalho da Rocha está prestes a completar quatro anos desde que assumiu a responsabilidade de dirigir esta província com fortes potencialidades agrícolas, e que está a executar um programa de agricultura familiar que contempla a entrega de 300 hectares a 150 famílias, por parte das administrações municipais. Nesta entrevista conjunta, feita com a Rádio Mais, o governador falou, dentre outros aspectos, do desafio da educação, principalmente no domínio técnico-profissional, bem como das ravinas que ameaçam a província
Em Novembro do presente ano fará quatro anos desde que foi apresentado como governador do Uíge. Como encontrou e como está a província do “bago vermelho”?
Nós encontramos um Uíge dinâmico e apenas estamos a aplicar o lema da governação (corrigir o que está mal e melhorar o que está bem) com muito diálogo, humildade, dedicação e a tentar envolver todos nesta tarefa. É com a melhor gestão dos recursos humanos que queremos ter um Uíge melhor. Este é um desafio que temos. Outro dos nossos maiores desafios é trazer energia eléctrica nesta região.
Como devem compreender, nós temos 16 municípios, somos a província com mais municípios, dos quais apenas três têm energia convencional. Temos uma solução híbrida em Sanza Pombo, que são 5 gigas, divididos em 2,5 painéis solares e 2,5 geradores. Nós entendemos que, para aproveitarmos o potencial agrícola que esta região tem, bem como o mineiro que começa a despontar, precisamos deste catalisador (energia eléctrica). Por isso, definimos como prioridade, dentre as várias coisas que temos estado a fazer, trazer energia para esta região.
E o que está a ser feito para se atingir este desiderato?
Neste momento, estamos a tratar de todos os aspectos relacionados com a documentação, desde o lançamento dos concursos; buscar os vistos ao Tribunal de Contas pelo volume envolvido; mobilizar financiamentos; discutir com a banca; olhar para as questões ambientais e de desminagem, etc. É um trabalho que temos estado a fazer ao longo destes dois anos e meio que, entendemos, estamos, de facto, muito próximos de começarmos a primeira fase de electrificação desta região lindíssima do nosso país.
Naturalmente, todo este movimento não estamos a fazer sozinhos, pois temos o apoio superior, o dos ministérios da Energia e Finanças, para que juntos possamos desenvolver isto. Entendemos que se tivermos este catalisador, vamos mudar bastante a vida nos nossos municípios, porque as pessoas terão a oportunidade, por exemplo, de terem aulas no período nocturno; desenvolver o programa de alfabetização, entre outros apectos, para além de explorarmos o potencial agrícola. Nós temos estado a produzir vários produtos agrícolas e só podemos transformar e conservar se tivermos este catalisador.
Ainda sobre a agricultura, qual a atenção que tem sido prestada pela governação local neste sector, com o particular realce para a agricultura familiar?
A agricultura é a nossa bandeira. Uíge é uma região agrícola, é uma região de frutas, como o maracujá, banana, abacate, ananás, tangerina, melancia e laranja, para além de outras frutas silvestres. O que fizemos na prática: olhamos para o Programa de Combate à Pobreza, que tem vários itens, e decidimos fazer o item um, que é o da agricultura. Decidimos, em todas as administrações municipais, fazer um programa na latitude da nossa província, envolvendo as famílias.
Desafiamo-nos a produzir alimentos, particularmente as raízes e tubérculos, leguminosas (feijão e ginguba) e frutas. Todas as administrações foram desafiadas a disponibilizarem 300 hectares de terra arável e envolver, para cada, 150 famílias (dois hectares cada família). Se multiplicarmos pelos 16 municípios, são 4 mil e 800 hectares de terra e 2600 chefes de família a trabalharem.
Os primeiros passos dados mostram que estamos a conseguir mobilizar a população para a produção de alimentos. Depois, e porque as pessoas não conseguem só trabalhar com as enxadas e catanas, decidimos também, mesmo dentro do Programa de Combate à Pobreza, cada uma das administrações fazer uma contribuição mensal que nos permite comprar tractores (9 já comprados), grades (9) e alfaias (9). Temos feito uma espécie de “rodízio”, mobilizando os equipamentos para atacar um grupo de municípios. Estamos a mecanizar e a acelerar o processo agrícola, que está a devolver a alegria aos beneficiários.
A produção agrícola vai aumentar e ainda é um problema a questão do escoamento e dificuldades de acesso. Como é que estão a trabalhar neste sentido?
Nós, quando desenhamos este projecto de agricultura familiar, olhamos para este pormenor. Temos capacidade de mobilizarmos os meios para irmos buscar os produtos ali onde eles existem. Para a venda, em determinados períodos, realizamos feiras com este fim, e a última durou uma semana. Estamos a preparar mais uma feira de produtos agrícolas ainda para este mês de Agosto. Está aqui uma grande oportunidade de fazer negócio, por isso, aproveito a oportunidade para fazer um apelo aos jovens e empresários no sentido de abraçarem a causa, para levarem os principais produtos das nossas mamãs às grandes cidades.
E quanto às estradas?
Em relação às estradas, para a interligação dos 16 municípios, te- mos quatro grandes desafios: o primeiro é a ligação aos Buengas (cujos trabalhos estão a ser feitos); o segundo é a ligação Songo, Lukunga e Bembe; o terceiro é ligar Makokola e a sede do Milunga, e o quarto é ligar a Alfândega à sede do Alto Cauale. Estamos a trabalhar nestes programas todos, vamos avaliar e discutir com os nossos superiores para serem encaixados nos nossos próximos orçamentos. Precisamos de fazer estas estradas.
Temos um grave problema aqui na província do Uíge, que são as ravinas. Temos 72 ravinas catalogadas e outras em formação. Até bem pouco tempo, era desafiante ir ao município de Quimbele, onde tínhamos 13 ravinas a cortarem este município, uma das quais “a ravina de Camalalu”, onde este edifício no qual estamos, só para terem noção da dimensão, entra na tal ravina. Com um trabalho conjunto com o Ministério das Obras Públicas e Urbanismo foi possível fechar as 13 ravinas e devolvermos as estradas aos nossos co-cidadãos.
Agora estamos a lutar para tratarmos de outras ravinas, e a grande ameaça é a do Milunga, que felizmente o ministério em questão já catalogou e tudo está a fazer para proteger a sede do município. Temos outras a atacar também em Quibocolo. Entretanto, mantemos um princípio que é: com ou sem ravinas, as nossas populações não podem perder a mobilidade. Temos muito trabalho ainda a fazer. Temos estado a trabalhar com os meios que temos e a tratar das ravinas de pequena dimensão. Quando nos deparamos com uma ravina que já requer alguma engenharia, intervém o Ministério das Obras Públicas.
Que investimentos estão a ser feitos para a juventude e para a massificação do desporto no Uíge (que já foi uma referência nesta área)?
Uíge é zona do desporto. Eu cresci vendo, na Cidadela Desportiva, dois grandes craques do Uíge, o Vici, do Construtor do Uíge e o Herménio, do Futebol Clube do Uíge. Portanto, aqui é uma região de desporto, particularmente o futebol. Temos o Estádio 4 de Janeiro, mas estamos a construir um estádio novo, na região de Kilomosso, cuja previsão de término está para o próximo ano, com capacidade para 10 mil pessoas. Para além do campo de futebol, terá também uma pista de atletismo.
Ainda para a juventude, no âmbito do projecto de autoconstrução dirigida, vamos começar a entregar, muito brevemente, os primeiros lotes. Estamos a identificar uma zona ali no Kilomosso, estamos a acertar os pormenores com a nossa empresa de águas para ver como levar este bem nesta região, bem como para a empresa de energia. O trabalho primário de loteamento está feito e queremos fazer ali nove bairros. Vamos começar com 300 lotes, mas com capacidade de expandir ainda mais. O que queremos é que naquela zona onde estiver a surgir um novo bairro tenha os serviços sociais.
Também está em construção duas obras que vão servir bastante a juventude, que são a Mediateca do Uíge e a Casa da Juventude. Esperamos que, com estas infra-estruturas, e aqui associamos também aquelas que estamos a criar no âmbito da conclusão das novas escolas, do Projecto Espanhol, que já estamos a pedir que tenham um campo multiúso, seja desenvolvido o desporto nesta região. Fruto disso é que Uíge alberga, neste mês, os XII Jogos Nacionais Escolares.
“Estamos num país grande e a divisão administrativa vem para melhorar a prestação de serviço público aos cidadãos”
Falou do projecto de Escolas Espanholas, e numa das entrevistas dadas o senhor governador tinha dito que havia uma possibilidade de transformar estas escolas em Liceus ou escolas técnicas, como está esta pretensão?
Nós estamos a seguir uma estratégia nossa. Nós precisamos de introduzir no Uíge escolas técnicas, ao mesmo tempo que precisamos melhorar a qualidade dos nossos liceus, em termos de infra-estruturas. Nós tínhamos liceus, mas em condições precárias. Então, estamos a desenvolver um projecto que no fim irá construir 15 novas escolas e, neste momento, já temos construídas e entregues à nossa comunidade cinco escolas de 24 salas de aulas. Fizemo-las duas aqui no município do Uíge, e no município do Songo, Quimbele e Maquela do Zombo cada uma, respectivamente.
Das cinco escolas, quatro são liceus e uma transformá-la em instituto de saúde, já modernas, com alguns equipamentos, como laboratório de informática, física, química, biologia, etc. A estratégia vai continuar com as próximas escolas. Quanto às escolas técnicas, estamos a pensar em introduzir seis escolas técnicas em determinadas regiões, porque não é fácil encontrar professores para as escolas técnicas.
Nós queremos desenvolver aquelas escolas em que os nossos filhos, no fim da sua for- mação, possam rapidamente criar o seu emprego, como construção civil, mecânica, soldadura, electrónica e electricidade. Eu acredito piamente que o aluno que faz um curso técnico bom pode criar o seu próprio emprego. E a preocupação vai estender-se para o ensino superior, por isso temos estado a conversar com a Universidade Kimpa Vita, para nos ajudar a resolver os problemas que temos aqui.
Fizemos uma experiência que está a ser bem-sucedida, que é no âmbito do programa de agricultura familiar, fomos buscar recém-formados na área de agricultura neta instituição e os integramos para orientarem as nossas mamãs. Estamos bem servidos e, do diálogo que temos com a universidade, pedimos que, para além dos cursos que têm, possa introduzir cursos nas áreas das ciências exactas e das engenharias. Nós precisamos de ter um curso de física pura e outras ramificações, um de matemática, um de química e um de biologia. A universidade está a corresponder com isso e estamos a crer que no próximo ano lectivo dará sinais disso.
Os cursos de engenheira são necessários para a província, uma vez que foram descobertas potencialidades mineiras?
Uíge vai começar a explorar cobre a partir das minas do Mavoio. Precisamos de especialistas para dar suporte neste projecto. Pela informação que temos dos promotores, o projecto de exploração de cobre está a andar muito bem. Estão na fase das pesquisas, estão a fazer o túnel, eles hão-de explorar o cobre entre 500 e 600 metros de profundidade e depois vão construir a fábrica. E pelas informações que temos, os aspectos ligados ao ambiente estão salvaguardados.
Todos nós estamos ansiosos, não só pela transformação que o projecto vai criar na região, mas também pela oportunidade de emprego que vai dar à nossa juventude. São projectos como estes que queremos que ocorram aqui no Uíge. Ainda sobre a educação, Uíge continua a registar crianças fora do sistema de ensino, bem como aquelas que buscam educação no país vizinho (RDC). Como vê esta situação?
A educação é também um dos nossos desafios. Como sabe, sou professor de profissão e vivi um período que muito me marcou, que é o de guerra, e naquela altura nós tínhamos que trabalhar com turmas de 70 ou 80 alunos. Tocou-me bastante, quando vim para o Uíge, encontrei uma situação semelhante: de termos turmas com bastantes alunos, decorrente da falta de infra-estruturas. Temos estado a trabalhar para melhorarmos a educação, construindo mais infra-estruturas, daí a importância do programa PIIM, do programa das escolas espanholas, pois estamos a reduzir o número de alunos em sala de aulas.
Ainda temos o desafio das regiões de fronteira, onde as famílias se misturam bastante, pelo que é muito comum os nossos filhos irem para o outro la- do estudar. Nós precisamos ainda de construir, em toda nossa fronteira, desde a zona toda do Maquela do Zombo, Quimbele até Milunga, 37 novas escolas. Ainda temos um número elevado de alunos fora do sistema e com todo este trabalho desenvolvido temos vindo a reduzir. Por outro lado, estamos também a implementar nas escolas sistema de gestão escolar, a levar internet e a preparar os professores e directores de escolas. Num futuro breve, teremos melhores condições de formação dos nossos filhos no Uíge.
As obras do PIIM têm sido uma dor de cabeça para os governantes, principalmente quando há incumprimentos por parte dos empreiteiros, Uíge está com o mesmo problema?
O PIIM tem sido um programa que verdadeiramente está a trazer muitos equipamentos sociais na nossa província, e está a ser um programa de investimento sério. Só para vos dar um exemplo, na educação, até agora já entregamos 43 escolas, o que contribuiu para que muitas crianças que estivessem fora do sistema de ensino regressassem. Estamos a trazer também equipamentos para redes sanitárias, hospitais municipais. E nesta questão toda, naturalmente, os problemas não faltam, mas temos tido a coragem de corrigi-los.
Os empreiteiros que não têm estado a cumprir estamos a rescindir o contrato. Todos nós erramos e o mal é permanecer no erro. Importa dizer que, no total, no PIIM, Uíge tem inscritos 89 projectos e 60% destes já foram entregues. Outros estão em curso, com diferentes problemas, mas quando fizemos uma observação geral do PIIM, vê-se que é, de facto, aquele projecto que faz movimentar a província, não só pelos equipamentos, mas acima de tudo pelas oportunidades de emprego para a juventude e oportunidade de muitos empresários locais puderem desenvolver este programa.
Por outra, Uíge tem uma fronteira com a RDC de mais de 400 quilómetros e tem as populações muito nas regiões de fronteiras, pelo que temos de levar os serviços de saúde também nestas regiões. Nós, estrategicamente, vamos fazer evoluir algumas comunas para município. Por exemplo, a comuna de Sacandica, no município do Maquela do Zombo, vai evoluir a município. Aqui em baixo, vamos ter o Alto Zaza e mais em baixo o Massango.
Vamos cobrir o nosso mapa. Tendo evoluído a município, vamos estar obrigados a levar as infra-estruturas, como hospitais municipais, por exemplo. No interior, estamos também a construir várias infra-estruturas primárias e secundárias. No Uíge, temos cinco municípios que não têm hospitais municipais e quatro deles estão em construção, no âmbito do PIIM. Continuamos a precisar de mais recursos humanos e está-se a dar formações para colmatar esta demanda.
Como é que olha para a nova divisão administrativa e esta questão de algumas comunas evoluírem para município?
Para nós, que estamos directamente em contacto com a população, este processo é um ganho. Vai trazer um ganho substancial, porque vamos estar muito mais próximos da população. Estando mais próximo da população, vamos dar solução aos seus problemas com mais rapidez. Este é, de facto, o grande ganho da divisão político- administrativa no nosso país. Não é um fenómeno novo no nosso país, pois é só olharmos para a origem da província do Bengo, do município de Catumbela, em Benguela, entre outros. Nós estamos num país grande e a divisão administrativa vem mesmo para prestarmos este serviço público ao nossos cidadãos e pudermos ter um controlo maior do nosso país.
O jornal OPAÍS publicou uma matéria no ano passado, que fala sobre suposto excesso de rituais por parte das autoridades tradicionais nalguns pontos turísticos que tem afugentado os turistas. Como o senhor governador vê isto?
Não é bem assim. Quando vamos noutras paragens, nós temos que entrar dentro daquilo que são as questões culturais da região. Nós somos africanos e estamos numa região onde os aspectos culturais são acentuados. Por exemplo, nós temos uma das sete maravilhas de Angola, que são as Grutas do Zenzo, e nós queremos começar a fazer o turismo ali. O que estamos a fazer? Estamos a melhorar o acesso da Vila do Ambuila até às grutas, que tem mais de 17 quilómetros.
Estamos a conversar com a comunidade para se ultrapassar esta questão tradicional, pelo que temos de cumprir com aquilo que a população exige, para que todos os envolventes possam ganhar (a comunidade, a administração e o turista). Estamos a trabalhar para definirmos um roteiro turístico, porque esta “indústria da Paz” envolve muita juventude e cria muitos empregos (in)directos. Nós, o governo, já estamos a fazer as questões macros e esperamos também que a população se envolva nas questões micro.