O cenário era trágico, como tantos que já vimos pelas ruas de Luanda. Um carro, sem freios, perde o controle e despenca para dentro de uma vala de drenagem na zona de Viana. Nada de chuvas, enchentes ou tempestades tropicais. Foi o descaso mecânico e talvez o abandono estrutural que escreveram o roteiro daquele dia.
Mas o que ninguém esperava era o protagonista improvável que emergiria desse acidente. Um jovem, sem farda, sem luvas, sem treinamento — mas com coragem e instinto de humanidade — lançou-se dentro da vala e resgatou as vítimas com as próprias mãos.
Um acto rápido, arriscado e profundamente necessário. Em poucos minutos, o vídeo do salvamento circulava em todo o país. Em poucas horas, o nome do jovem ganhava espaço na televisão, nas rádios e nas redes sociais.
Em poucos dias, vieram os louvores, os convites para entrevistas, a promessa de um emprego e até benefícios materiais. E foi aí que tudo mudou. Inspirados por esse gesto heroico — e pela repercussão que ele gerou — outros jovens começaram a se mobilizar.
Valas passaram a ser vigiadas como se fossem palco de um novo tipo de missão cívica. Em vários bairros, vê-se grupos com telemóvel em punho, atentos a qualquer sinal de acidente. O objectivo? Salvar vidas, claro.
Mas, para alguns, também conquistar os “bónus” que a nova fama pode trazer. É difícil julgar. O que começou como um gesto puro de coragem virou fenômeno social. Uma mistura de solidariedade e espetáculo, heroísmo e esperança. Não sabemos onde termina o altruísmo e começa a ambição — e talvez nem seja esse o ponto central.
O que salta aos olhos, mais uma vez, é a ausência do Estado, das instituições que deveriam garantir vias seguras, transportes em condições e barreiras de proteção em locais perigosos.
Enquanto isso não existe, surgem os heróis populares, os anônimos que, sem treinamento, assumem o que deveria ser tarefa de bombeiros e serviços de emergência.
É admirável ver a juventude angolana levantar-se — mesmo que diante da tragédia. Mas também é urgente refletir: quantas vidas precisam ser salvas (ou perdidas) até que o poder público se antecipe aos acidentes, em vez de apenas reagir a eles? Enquanto isso, a nova febre das valas segue firme.
Uns por bravura, outros por visibilidade. E todos, no fundo, apenas tentando fazer o que é certo num país onde o certo, por vezes, depende da coragem de quem menos se espera.
Por: RIBAPTISTA