Domingos Fernandes de Barros Neto é escritor, docente, advogado e empresário, autor de várias obras literárias, sendo a mais recente ‘Angolanidade e História’, que já vai na II edição, recentemente lançada em Luanda. Nesta curta entrevista ao jornal OPAÍS, o escriba observa que as guerras dividiram-nos profundamente e os valores éticos, morais e deontológicos perderam-se. Situação que tanto prejudica não só o relacionamento entre nós, angolanos, como também prejudica o próprio desenvolvimento do país. Barros Neto lamenta o facto de haver uma forte assumpção materialista, que leva ao exibicionismo
A comunidade académica de Luanda e não só acaba de receber a II edição do livro “Angolanidade e História”. Que impacto tem o volume no seio desta comunidade e como está a ser divulgado? Em relação à sua pergunta, tenho a dizer que o lançamento da II edição desta obra surge por necessidade de um maior alargamento, de uma maior amplidão do trabalho junto dos leitores interessados.
Como já deveis saber, esta é uma edição que, no fundo, não muda muito em relação à primeira, porque o conteúdo de base permanece e a temática é também a mesma substância.
O que, de concreto, podemos então encontrar nesta edição?
O que muda, no fundo, nesta edição é o aspecto formal da obra, nomeadamente o arranjo das várias partes, porque na II edição apresentamos quatro capítulos, mais dois em relação ao anterior e, também, as notas vêm imediatamente logo a seguir a cada capítulo. Portanto, há uma maior condensação nesse aspecto, para facilitar também o acompanhamento do leitor. Em relação à sua divulgação, devo confessar que não tive muito tempo para fazer.
Talvez seja por isso que não criou uma maior atenção do público leitor. O tempo foi muito curto, então isso dificultou a divulgação da obra. No dia 28 do mês passado, fizemos o lançamento da obra e, neste espaço, houve concorrência de um número relativamente muito limitado dos interessados.
Mas fiquei surpreendido positivamente, porque, não obstante o número reduzido de participantes, toda a qualidade de intervenção surpreendeu-me bastante. Conseguimos manter um debate empático, muito produtivo, e isso me fez ver que, afinal de contas, o tema tem muito pano para manga, e ainda muita contribuição que pode ser acrescida a este trabalho.
Quando fala da “Angolanidade e História” ao que se refere concretamente?
Portanto, esta obra praticamente está dividida em dois grandes capítulos. Para além dos 4 capítulos mencionados, nós podemos ainda colocá-lo em 2 grandes capítulos, a História, que é o conceito de Angolanidade propriamente dito.
Conforme digo também no livro, a História não é meu campo de acção, não é a minha praia, não é o ramo da minha formação académica. Mas, como ao longo do estudo, ao longo da academia, tive também contacto com alguns pontos da nossa história, então achei conveniente, primeiro, antes de abordar a questão fundamental da obra, que é mesmo a Angolanidade, aflorar também alguns pormenores em relação à nossa história. Portanto, é nesse contexto que faço essa divisão, primeiro, a História Nossa e, depois, então, a Angolanidade.
Essa história abarca períodos históricos que nós conhecemos: a idade pré-colonial, colonial e pós-colonial. Portanto, abarca essas três etapas históricas. Depois, então, a parte principal, que é, precisamente, aquela relacionada com a temática da Angolanidade.
Desta forma, como define o conceito da Angolanidade?
Considero a angolanidade como a força motriz do desenvolvimento que cada angolano pode proporcionar ao país. É o sentimento no âmbito cultural, psicológico, que cada angolano tem para com a Pátria, porque muitas das vezes não é o facto de se ter nascido em Angola que automaticamente todos nós somos angolanos com aquele sentimento, com aquele engajamento que se pretende.
Acho que, para um desenvolvimento eficaz integrado de Angola, é necessário que cada um, cada angolano, se sinta efectivamente angolano, com A maiúsculo. Eu acho que esta temática é importante porque, infelizmente, atravessamos períodos muito sombrios, muito turbulentos de guerra. Isso dividiu os angolanos de uma maneira ou de outra. Muitas vezes, até nem nos apercebemos, mas estamos divididos.
Então, há necessidade urgente de se esbater esse inconveniente que prejudica. Tanto prejudica, não só o relacionamento entre nós, angolanos, como também prejudica o próprio desenvolvimento do país. Enfim, resumindo, traz mais problemas, cria mais dificuldades, trava cada vez mais o desenvolvimento do país do que outra coisa. No fundo, perde-se mais do que se ganha!
Como olha para o conceito Angolanidade actualmente?
Actualmente, este é o ponto fulcral porque, precisamente, se for a ver, a Angolanidade, em um dado período, perdeu aquela consistência própria. Então, há que se rever, há que se recuar, para trazer essa lissa, esta valoração que é o Conceito da Angolanidade, porque, hoje, efectivamente, sobretudo da parte da juventude, nota-se uma avalanche de imposições comportamentais estrangeiras. Seja pelas redes sociais, seja pela informação, televisão, enfim.
São vários canais que contribuem para isso, nota-se. Noto, particularmente, que muita juventude está desorientada. Mas, aqui, muitas das vezes, nós culpamos. Eu tenho ouvido muitas vezes dizer. ‘‘Essa juventude, hoje em dia, não tem juízo, perdeu os valores’’. Mas, então, questiona-se.
Eu, como adulto, quais são os valores que não devo incutir, mas transmitir? Passar à nova geração, aos meus filhos. Qual é o exemplo de caminho, de direção que eu dei aos que convivem já comigo? Vamos ver que nós mesmos, adultos, temos que dar a mão à palmatória e reconhecer que andamos muito distraídos. Isso, para não dizer outra coisa, porque as guerras dividiram-nos totalmente. Então, o aspecto ético, moral, deontológico, perdeu-se.
Então, há uma assunção materialista muito forte, que vai descambar no retornismo puro. As pessoas querem aparecer, mas, mais do que aparecer, querem ter para aparecer. O ser, praticamente, não tem valor. É tudo um artificialismo fora do sério. Isso não constitui a essência da nossa própria personalidade angolana. Nós crescemos na aldeia e, ao chegarmos em algumas cidades como Luanda e outras, levávamos todo o nosso aprendizado.
Lembram-me que, na altura em que vim para aqui, em 1958, havia aquela carga de solidariedade, reciprocidade, a confiança de um pelo outro, a segurança de poder deixar o seu filho ao vizinho, que não era problema, assim como a liberdade deste poder corrigir o filho do outro.
No fundo, são esses valores que temos agora que fazer voltar para dizer à juventude que este é o nosso caminho, temos que percorrer essa vida. Esse é o esforço que me levou também a escrever a Angolanidade.
É um regresso às nossas raízes, à nossa matriz, mas já de uma maneira enriquecida, porque não podemos abraçar tudo o que é do passado. Temos é que saber seleccionar, vai funcionar. No livro, eu realço também esse pormenor.









