O espectáculo “Gritos da Nossa Terra” vai estrear hoje, às 20h00, na Casa das Artes, em Talatona, com apresentações de cantores inspirados em obras de Carlos Burity, Rui Mingas e Matias
O evento que vai ser ainda realizado no sábado e domingo é tido como uma verdadeira celebração das artes tradicionais, vai apresentar as danças e trajes nacionais que representam diferentes regiões e classes sociais do país.
Contactado pelo Jornal OPAÍS, o responsável pelo evento, Henrique Artes, realçou que a grande motivação para a sua realização partiu da necessidade de olhar ao passado com coragem e reverência, sem esquecer, apagar e, principalmente, romantizar a dor. “É uma peça que vai reforçar a identidade angolana ao recontar a nossa história, por vozes que foram silenciadas”, destacou.
O responsável referiu que, embora o texto principal esteja em português, há sim uma preocupação em preservar as línguas nacionais por intermédio dos cantares. Disse tratar-se de uma peça que valoriza o povo como porta-voz da arte, onde os contos, ditados, entoações e formas de falar carregam o espírito Kimbundu, Umbundu, Kikongo e outras línguas regionais que aparecem com respeito e protagonismo.
Com isso, afirmase a língua das terras como de resistência e de memória. “Existe uma valorização clara da oralidade angolana e das expressões populares, com origem em línguas nacionais. Existe uma ideia errada de que a tradição é atraso, quando na verdade é base, raiz, alicerce cultural para todo e qualquer cidadão”, sublinhou.
Legado e autoconhecimento
Diante dos vários desafios, Henrique observa a necessidade de se deixar um legado de autoconhecimento, orgulho e consciência crítica para que as futuras gerações conheçam as suas origens, os sacrifícios feitos por seus antepassados e, também, que a cultura pode ser instrumento de mudança.
“A ideia é que os jovens olhem para a arte não como algo distante, mas como arma de transformação e ferramenta de empoderamento”, frisou. Como tudo, a desconexão entre o presente e o passado, de forma especial nas grandes cidades do país, nos dias actuais, disse serem os maiores desafios constatados para a valorização e promoção das tradições locais.
“Muitos jovens crescem sem contacto com as tradições locais, as línguas nacionais, os contos e os rituais, o que vamos apresentar neste trabalho. Onde há uma força de vontade, há sempre desafios por se encarar.
E com o “Gritos da Nossa Terra” não foi diferente”, asseverou. Quanto ao trabalho que vai ser apresentado ao público, avançou que o principal obstáculo foi montar a logística de uma peça de grande dimensão, com cenários complexos, elenco numeroso e um tempo de ensaio que exigiu entrega física e emocional dos artistas.
Neste processo, considera-se relevante o desafio emocional de lidar com temas sensíveis, como a escravidão, morte, negligência e abandono. “Mas superamos cada obstáculo com uma certeza: esta peça precisava nascer porque a terra está a gritar e a arte precisa ser o seu canto’’, disse.