Por; Juvenal Quicassa
O cenário geopolítico global é actualmente marcado por diversas tipologias de conflitos entre os Estados, sanções e discursos de exclusão proferidos entre os actores. Mas a par disto, temos visto a diplomacia chinesa a afirmar-se como uma alternativa um pouco mais concreta para os países do Sul Global. Mais do que uma simples estratégia de expansão de influência tal como advoga o realismo político, do ponto de vista do construtivismo é possível olharmos a actuação externa da China como uma aposta clara no multilateralismo, baseado essencialmente nos pilares que balizam as relações pacíficas entre os Estados: respeito pelo direito internacional e valorização da soberania dos Estados. Estes princípios, embora veem sendo enterrados pelos diversos actores internacionais sobretudo as potências ocidentais, continuam a ser fundamentais para nações historicamente marginalizadas no sistema internacional.
E claramente, não podemos deixar de reconhecer que de facto, o Governo Chinês, assim como qualquer grande potência, persegue interesses estratégicos a nível da estrutura internacional. No entanto, há aqui alguns elementos que diferencia a China no actual jogo de xadrez geopolítico, que insere-se precisamente na forma como esses interesses têm sido articulados. Ora, se por um lado as outras potências procuram concretizar seus interesses através de instrumentos de pressão ou imposição condicionada, a China por sua vez, procura atingir seus objectivos estratégicos fora desse âmbito de actuação, sem qualquer tentativa de imposição de modelos políticos, nem por via da ingerência nos assuntos internos, mas sim por meio da cooperação, da assistência ao desenvolvimento e do reconhecimento da diversidade de caminhos nacionais tal como é sustentado pelas normas internacionais.
UMA DIPLOMACIA QUE RESPEITA OS ESTADOS
Para muitos países africanos, latino-americanos e asiáticos, embora não tendo sido proferidas através de discursos oficiais pelos chefes de Estados e de Governos, mas o volume de negócios e progressiva preferências de trocas comercias entre esses países com o governo da China, representam sem sombras de dúvidas, uma nova página branca com sepultura das práticas do passado. Foi visível durante décadas, que a ajuda internacional a estes países esteve fortemente atrelada a condicionalidades políticas, programas impostos que refletem uma significativa perda de autonomia em termos de tomada de decisão. A diplomacia chinesa, ao contrário deste modelo de relação diplomática, tem insistido no princípio da igualdade soberana, defendendo que cada Estado deve decidir o seu próprio modelo de desenvolvimento.
Essa postura tem gerado resultados inovadores aos países do Sul Global, permitindo a estes a capacidade de negociar projectos de infraestrutura, energia, transportes e industrialização em almofadas mais equilibradas, respondendo a necessidades reais de crescimento económico e integração regional. A diplomacia chinesa demonstrou e tem demonstrado aos países do sul global que o desenvolvimento deixa de ser um discurso abstracto e passa efectivamente a ser um instrumento concreto de transformação social.
Como referência a essas variáveis, em 2024, o comércio bilateral entre a China e os países africanos em particular, atingiu cerca de US$ 295 mil milhões, confirmando de forma sólida a China como o maior parceiro comercial do continente, muito à frente dos Estados Unidos, cujo comércio com o continente não ultrapassou dos US$ 47 mil milhões no mesmo período.
Dados avançados pelo IPIM confirmam que entre 2000 e 2022, o governo Chinês canalizou mais de US$ 170 mil milhões em empréstimos e financiamento para a região, tendo Angola recebido de forma isolada, mais de US$ 45 mil milhões em financiamentos para energia e transportes.
Comparando com o investimento directo que vem dos países ocidentais ainda é substancial nalguns sectores, tal como o anúncio recente de cerca de US$ 553 mil milhões em financiamento para o corredor Lobito envolvendo parceiros ocidentais, bem iniciativas da UE em África da ordem de US$ 5 mil milhões em energia e saúde. Contudo, vale admitir que embora declarados, nenhuma dessas iniciativas iguala a escala ou dimensão do comércio e dos fluxos financeiros que ligam a China à totalidade do continente africano.
Xi Jinping e a aposta no multilateralismo
Outro aspecto relevante que levanta reflexão, prende-se naquilo que é a perspectiva ou a visão apostável do presidente Xi. O Presidente Xi Jinping demonstra a partir de seus variados discursos em fóruns internacionais, que a China defende de forma consistente uma ordem internacional cada vez mais justa, inclusiva e multipolar, na qual o desenvolvimento seja entendido como um direito e não como um privilégio reservado a determinados Estados, sobre tudo aqueles que se encontram acima da linha do equador conforme enfatizado na teoria da divisão do mundo, marginalizando aqueles que se encontram abaixo da referida linha, sendo estes denominados de PVDs (países em vias de desenvolvimento) sem muito a oferecer e a beneficiar da ordem internacional construída pelos gigantes.
Ao fortalecer espaços como os BRICS e os fóruns de cooperação China-África e China-América Latina, a liderança chinesa tem contribuído de forma significativa para ampliar a voz política do Sul Global no cenário internacional que por muitos anos funcionou sob as regras dos jogadores ocidentais. Podemos de facto olhar para essas iniciativas como instrumentos diplomáticos de moldura da estrutura da ordem mundial que procura construir consensos, promover o diálogo e reduzir a lógica de confrontação que tem dominado a política global.
Desenvolvimento como base da estabilidade
A Política Externa da China, sobretudo em matéria da promoção de desenvolvimento enquanto pilar da agenda dos organismos globais multilaterais, parte de um princípio simples que por muitos tem sido ignorado: não há paz sem desenvolvimento. A china ao investir em infraestrutura e essencialmente em redes de conectividade, está demonstrando o seu compromisso em garantir de forma concreta a redução das desigualdades estruturais que alimentam instabilidade política, conflitos sociais e crises económicas, nos países do Sul Global.
Portanto, não podemos olhar as construções das estradas, portos, ferrovias e centrais energéticas como apenas simples obras físicas. Mas sim como instrumentos de integração que permitem a ligação terrestre de diversos pontos nacionais, resultando assim no fortalecimento dos Estados e consequentemente na criação de oportunidades para milhões de pessoas. Para o Sul Global, esses investimentos representam uma possibilidade real de crescimento sustentável e autonomia económica.
Direito internacional e não ingerência
Num momento em que o direito internacional é frequentemente aplicado de forma seletiva, a diplomacia chinesa, embora com algumas críticas nessa matéria, ainda tem se mostrado mais fiel no que toca a defesa da observância dos postulados universais. O discurso do presidente Xi Jinping por exemplo, tem sido claro: a soberania dos Estados e a não ingerência devem ser respeitadas, independentemente do peso político ou económico dos países envolvidos. Hoje o que se vê diariamente pela mídia internacional, é um cenário em que as grandes potencias esmagam o direito internacional de forma fria subjugando os outros Estados, aplicando sansões e autorizando intervenções unilaterais, porque tais Estados em termos de factor de poder, são pequenos.
Ora, essa posição assumida pela China quer em discursos quer em actos, encontra eco em muitas nações do Sul Global, que veem na China um parceiro disposto a cooperar sem interferir nas escolhas internas. Trata-se de um diferencial diplomático relevante num sistema internacional ainda marcado por assimetrias de poder.
Como a China é membro do Sul Global, a aproximação entre a China e os outros países do Sul Global não deve ser vista como submissão ou dependência tal como tem sido apresentado pelas agências de notícias ocidentalizadas, mas como uma oportunidade estratégica. Portanto, cabe aos países parceiros negociar com responsabilidade, garantir transparência e assegurar que os projectos contribuam efectivamente para o desenvolvimento nacional.
Se bem conduzida, a relação com a China pode fortalecer economias, ampliar margens de manobra política e contribuir para uma ordem internacional mais equilibrada. Num mundo em transição, a diplomacia chinesa surge não como ameaça inevitável, mas como uma possibilidade concreta de cooperação baseada no respeito, no desenvolvimento e no multilateralismo.
Pesquisador e Especialista em Relações Internacionais









