Recentemente, enquanto desempenhava a função de Presidente dos Estudantes Angolanos em Moscovo, organizávamos um concerto de grande dimensão para celebrar os 50 anos da Independência de Angola, na Biblioteca de Literatura Estrangeira.
O público presente seria, na sua maioria, russo, cerca de 310 pessoas. O povo russo tem uma característica universalmente reconhecida: aprecia descobrir novas culturas, novas expressões artísticas e novas narrativas históricas.
É um povo que observa o mundo com curiosidade intelectual e abertura emocional, e isso, por si só, constitui um campo fértil para a projecção cultural angolana. Foi nesse ambiente que um estudante do elenco organizacional se aproximou e me questionou: “Sr. Presidente, por que nos empenhamos tanto em organizar eventos deste género, se o público será maioritariamente russo?” A pergunta era legítima, e reflectia uma inquietação comum entre jovens angolanos na diáspora: entender o propósito maior da diplomacia cultural.
Poucos minutos depois, enquanto colocávamos as bandeiras de Angola à entrada da sala, um senhor de idade, acompanhado de três jovens russos, aproximou-se e perguntou com genuína curiosidade: “Desculpe, senhor, de que país é esta bandeira? Sabemos que haverá um concerto hoje, mas não reconhecemos o símbolo.” Olhei para o estudante que me havia questionado e disse-lhe: “É precisamente por causa disto.
Porque Angola ainda não é amplamente conhecida. E cabenos a nós dar visibilidade à nossa identidade.” É nesta mesma linha de reflexão que recordo um episódio igualmente marcante: o meu primeiro encontro, em Moscovo, com Armindo Laureano, director do Novo Jornal. Ele deslocara-se à Rússia no âmbito de um evento de cooperação internacional integrado nas celebrações dos 100 anos da diplomacia pública.
A sua presença não era apenas simbólica, era estratégica. Representava o jornalismo angolano num espaço global, contribuindo para amplificar a voz de Angola, dar visibilidade às suas perspectivas e reforçar o papel da imprensa como actor essencial da diplomacia pública contemporânea.
A comunicação social, sobretudo quando internacionalizada, torna-se instrumento de representação nacional e ponte entre culturas. Ver um director de um jornal angolano actuar nesse contexto foi, para mim, mais uma prova de que a diplomacia pública se faz não apenas através das instituições estatais, mas também pelos seus agentes culturais e mediáticos.
A diplomacia pública, tecnicamente definida, é um conjunto de práticas e estratégias pelas quais um Estado comunica com públicos estrangeiros, procurando moldar percepções, construir confiança e projectar uma imagem positiva.
Outra definição amplamente aceite no campo das Relações Internacionais entende-a como “o esforço sistemático para explicar políticas, promover valores e estabelecer relações duradouras com povos estrangeiros”, tornando-se um mecanismo de aproximação entre sociedades e um instrumento de influência e reputação internacional.
Ambas as definições sublinham um princípio central: a diplomacia pública não comunica apenas informação, comunica significados, emoções, identidades e pertenças. É precisamente neste ponto que a diplomacia cultural ganha intensidade conceptual e alcance prático.
Ela toca a sensibilidade, aproxima pela emoção e constrói memórias simbólicas. Uma canção que emociona, uma história que inspira, uma dança que fascina ou uma gastronomia que surpreende são ferramentas poderosas de construção de imagem nacional.
Quando um estrangeiro descobre o semba, aprecia uma máscara tchokwe ou escuta a poesia de Agostinho Neto, cria um laço afectivo com Angola que transcende qualquer fronteira formal. A cultura, quando bem trabalhada, abre portas que a política, por si só, jamais conseguiria abrir.
No contexto da política externa contemporânea, torna-se evidente que fortalecer a diplomacia pública deve ser uma prioridade estratégica de qualquer país que aspire a afirmar-se internacionalmente. Para Angola, esta prioridade é ainda mais premente.
A nossa diplomacia pública não pode limitar-se às esferas formais ou protocolares; deve expandirse para a cultura, a educação, a comunicação social, o intercâmbio académico, o diálogo entre povos e a presença simbólica nos espaços internacionais.
A cultura é um activo de poder. A identidade nacional, quando partilhada, transforma-se em influência. E a influência, no plano das Relações Internacionais, traduz-se em capacidade de negociar, atrair, cooperar e projectar. Neste quadro, as embaixadas de Angola no estrangeiro têm um papel crucial.
Elas precisam de reforçar a coordenação cultural, apoiar iniciativas da diáspora, fomentar actividades artísticas, estabelecer parcerias com instituições locais, dinamizar eventos, promover a língua portuguesa e valorizar o património cultural angolano. A diplomacia pública é tão relevante quanto a diplomacia política, e sem ela, qualquer esforço de afirmação internacional fica incompleto. Uma embaixada que não investe na diplomacia pública limita o alcance da sua própria missão.
O estudo das Relações Internacionais demonstra claramente que a construção da imagem externa é um dos pilares centrais da política externa moderna. Os países com forte presença cultural no exterior desenvolvem relações mais estáveis, diversificadas e favoráveis aos seus interesses.
A narrativa cultural é, hoje, um instrumento de poder global. E nós, enquanto angolanos na Rússia, temos desempenhado esse papel com sentido de missão: tornar Angola visível, conhecida e respeitada.
A nossa responsabilidade é clara: projectar o país, promover a sua imagem, ampliar a sua presença e consolidar o seu lugar no mundo. Ao fazermos isto, estamos a praticar a forma mais humana e transformadora da diplomacia pública.
Por: SEBASTIÃO MATEUS
Especialista em Relações Internacionais. Doutorando em Diplomacia.









