Tenho estado a reflectir sobre o peso da responsabilidade de quem todos os dias lhe cabe a missão de ser o herói… herói da família, dos amigos e até dos colegas nestes tempos que se mostram difíceis para todos face ao “precário” quadro económico, realidade vivida em todo o mundo e Angola, igual ao resto do globo terrestre. Ao começar esta reflexão, veio à cabeça um conceito usado na psicologia chamado “Síndrome de Peter Pan”.
Basicamente, é quando o adulto evita responsabilidades típicas da maturidade, preferindo que outros cuidem de problemas e decisões que a ele cabe resolver. A Síndrome de Peter Pan é um conceito que se encaixa perfeitamente ao dito costume enraizado entre nós, africanos, em que, a título de exemplo, os progenitores demitem-se do seu papel de pais e empurram os filhos como obrigação para outras pessoas assumirem o ônus.
Para tal, no seio familiar, normalmente elegem a pessoa que supostamente encontra-se melhor posicionada socialmente, reforçando que este comportamento passivo-dependente hoje evolui para o autovitimismo, quando muitos de nós assumimos, mesmo sem tentar, a incapacidade de ter ou de ser, e assim, com total “despreocupação”, deixamos a responsabilidade para quem entendemos que fará melhor que nós no papel de pais dos nossos filhos.
Basta olhar para as ruas de Luanda-capital e do resto do país para perceber que hoje somos “pais de crianças com pais”, ainda que sem querer ou, tantas vezes, sem perceber, assumimos essa responsabilidade dos “pseudos pais” que aos filhos, em voz sonante ou em um silêncio tenebroso, dizem que na rua conseguirão mais que dentro de casa, lugar onde provavelmente estariam sob protecção de quem os pariu ou os fez parir.
Decidi perguntar ao ChatGPT sobre os dados de crianças a viverem nas ruas do país e fiquei a saber que, em todo o país (Angola), há um registo de perto de 10 mil crianças nas ruas, e foi para mim surpresa saber que, destas perto de 10 mil crianças, apenas 2 mil e 700 são realmente moradores de rua, ou seja, o número de 7 mil e 300 é de filhos que passam o dia nas ruas como pedintes, engraxadores etc.; e, na parte da noite, voltam ao aconchego do lar, onde supostamente são recebidos pelos pais, situação triste, mas que confirma a teoria de que hoje somos pais de filhos com pais e que estes pais estão à-vontade com a nossa imposta “responsabilidade”, desde que a responsabilidade não seja deles.
Ao ir a fundo na minha reflexão, também percebi que estaria eu a meter-me num assunto que, segundo a passividade, deve naturalizar-se, visto que o olhar da sociedade é sobre a condição social destes pais, não tanto da sua responsabilidade, que podia equiparar-se à mesma do tempo em que estes tudo faziam para dar aos filhos. Mas entendo que este tempo deve mesmo ficar para o passado; o tempo hoje é outro. Neste tempo, os filhos “devem” fazer de tudo para dar aos pais.
Escrevo sobre os filhos menores de idade, que, mesmo sendo afastados da escola, comovem menos que a condição social do país ou dos pais que não podem ser “trabalhadores de rua” porque é um crime contra a sua boa pessoa. E a quem cabe o peso da responsabilidade de todos trabalharem na missão de ser o herói… este não deve lamentar, porque… as pessoas não gostam das lamentações dos seus “heróis”.
Por: Emílio José
Psicólogo e Jornalista









