O espaço cultural Prova D’Art, no Miramar, foi neste domingo, 30 de Novembro, palco da 4.ª edição do “Caldo do Poeira”, um espectáculo que se reafirmou como baú cultural de preservação da música angolana, que reuniu, num mesmo palco, artistas para celebrar, com ritmo e nostalgia, os 50 anos de independência de Angola
O recinto transformouse num mosaico vivo, misturando bebidas frescas, o tradicional caldo, prato principal da festa, e o som de instrumentos que afinavam a tarde de domingo. Tendas brancas balançavam ao vento, enquanto o sol impiedoso marcava o compasso dos primeiros visitantes. Alguns abanavamse com os programas do espectáculo; outros procuravam sombra, à espera daquele artista que lhes toca o coração.
Dina Santos, a única mulher entre os artistas convidados, subiu ao palco com “Rumba”, trazendo leveza e ritmo ao ambiente. Em seguida, a Banda Movimento interpretou “11 de Novembro”, de Rui Mingas (in memoriam), abrindo caminho para Camacho, que apresentou duas homenagens marcantes: “Teta Lando – Desportivo de S.
Paulo” e “Óscar Neves, Calanga”, reacendendo a euforia do público. Ainda durante a festa, Lulas da Paixão, o mais velho entre os artistas, protagonizou uma das performances mais longas do espectáculo, com quatro temas de forte identidade: “Pepe”, “Quim”, “Ngua Maca” e “Garan”. Com a serenidade de quem nasceu com música nos dedos, o artista, que completou 79 anos no dia 11 de Novembro, olhou para o público com ternura. “Já participei em vários caldos, já fui homenageado.
Este movimento foi criado por mim. A rádio sabe organizar”, afirmou com simplicidade. Segundo o artista, a nova geração tem representado bem a música angolana, destacando jovens que interpretam estilos como o kizomba e o semba.
Após a sua actuação, Camacho, o mais jovem do elenco, lembrou que era a segunda vez que subia ao palco e assumiu que a sua arte nasce da música tradicional angolana.
“É a segunda vez que participo, com muita honra, porque estou num palco onde leões rugem. Sou angolano, bebo da música angolana; é a que corre nas minhas veias”, disse, orgulhoso, recordando que, na primeira participação, dividiu o palco com artistas da geração anterior.
A voz feminina que resiste
Entre todos os artistas, Dina Santos destacou-se como a única mulher a actuar nesta edição. Para si, participar no “Caldo do Poeira” é representar uma geração que abriu caminhos, embora reconheça que o projecto começa, finalmente, a criar espaço para novas vozes femininas, como as jovens da Banda Movimento.
Recordando 1975, Dina contou que vivia com a mãe na zona da Neves Bendinha e descreveu o dia da independência como um momento de gritos, choros e esperança.
A cantora lamenta que, passados 50 anos, muitos artistas da sua geração continuem sem o devido reconhecimento, reforçando a urgência de cuidar daqueles que ajudaram a construir a identidade sonora do país. “São muitos anos. Precisamos de reconhecimento”, sublinhou.
Numa mensagem final dirigida ao público e à juventude, apelou para que o evento seja valorizado e apoiado, sobretudo no que toca a patrocínios, uma das maiores barreiras para a melhoria das condições oferecidas.
Memórias do Caldo do Poeira Francisco chegou descontraído, com Helena ao lado, como quem regressa a casa. Apesar de alguns anos sem participar e das pausas do evento, o seu retorno foi motivo de alegria. “Está calmo, está organizado.
Está muito sol, mas as pessoas ainda estão a recarregar as baterias”, comentou, enquanto observava o público ganhar coragem para se aproximar da pista. Para ele, o artista da noite não podia ser outro senão Lula da Paixão, uma voz que atravessa gerações.
“O Lula toca no coração das pessoas”, disse Francisco, dançando suavemente ao som de um jovem que homenageava Teta Lando. Já Alberto Neto, acompanhado da esposa, contou que sempre acompanhou o evento pelo rádio, mas naquela manhã teve finalmente a oportunidade de realizar o desejo de assistir ao vivo.
“Filha, alguns artistas eu só ouvia no rádio, e é uma honra estar aqui com eles”, afirmou, emocionado. Entre os seus preferidos está Bangão, mas quem lhe roubou o coração nesta edição foi Lula da Paixão. Por outro lado, Luís Van-Dúnem, conhecedor profundo do “Caldo”, reconheceu a alegria pelo regresso do evento, mas também apontou falhas.









