Há vozes que parecem nascer de um pacto com o vento. Vozes que não pertencem apenas à carne que as sustenta, mas à terra, ao tempo e ao povo que as faz ecoar. Cisku Ndala, nome artístico de Francisco Pascoal Ndala, é uma dessas vozes que carregam o sal do mar e o ferro do Lobito, a devoção da igreja e o grito contido de uma geração que aprendeu a cantar para não desistir.
Hoje, aos trinta e três anos, ele é finalista do “Unitel Estrelas ao Palco”, o mais conhecido concurso de imitação musical de Angola, transmitido pelo canal Zap Viva. E é também o orgulho de uma cidade que se revê nele como num espelho sonoro — o Lobito inteiro vibra, respira e sonha ao ritmo da sua voz. Mas o caminho até aqui não foi feito de luzes nem de fama.
Foi um percurso de paciência e de fé, de quedas e recomeços, de noites em que a música era a única forma de sobreviver ao silêncio. Cisku nasceu e cresceu no bairro da Zâmbia, um dos espaços mais vivos e simbólicos do Lobito — bairro de ferro e poeira, de riso e resistência.
Ali, onde a vida se faz entre o mar e o musseque, aprendeu desde cedo que a música é também uma forma de oração. As ruas eram o seu primeiro palco; os amigos, o seu primeiro público.
A cada batida improvisada no balde, a cada canto em coro ao entardecer, nascia nele uma certeza: a voz era o seu destino. Foi na Igreja Evangélica Congregacional em Angola (IECA), no pastorado do Alto-Liro, que Cisku encontrou o lugar onde a música e a fé se tornaram inseparáveis.
Fez parte de grupos como o Geogral Luz do Mundo, o Musical Televando, a Banda Pulungunza e a Banda Venceremos — espaços que lhe moldaram o carácter e lhe ensinaram que cantar é servir. A igreja foi a sua primeira escola artística e espiritual: nela aprendeu que o canto, quando nasce do coração, é capaz de curar feridas que a palavra não alcança.
O primeiro grande salto deu-se quando decidiu inscrever-se no “Unitel Estrelas ao Palco”. Foi a primeira tentativa. Cantou, encantou, e chegou até à semifinal. O público percebeu ali que algo diferente se erguia — uma voz autêntica, limpa, sem artificialidade.
Ainda assim, a vitória escapou-lhe. Mas o fracasso não o fez recuar. Pelo contrário: ensinou-lhe que cada palco é uma travessia. Voltou para casa e continuou a cantar, a sonhar, a preparar-se. Foi então que surgiu o convite para participar no “Estrelas de Angola”, da Palanca TV, outro concurso musical que, de certo modo, seria o ensaio espiritual do seu regresso.
E foi ali que Cisku encontrou a confirmação do seu dom. Imitou o cantor sul-africano Luke Dube, o artista que se tornaria a sua referência estética e emocional. Com ele, encontrou não só um estilo vocal, mas uma maneira de sentir a música. A interpretação era tão genuína que venceu o concurso. Essa vitória, celebrada com humildade e gratidão, abriu-lhe o caminho de regresso ao palco maior — o “Unitel Estrelas ao Palco”. Desta vez, voltou com maturidade, confiança e entrega, decidido a transformar a imitação num acto de criação.
E assim foi. Gala após gala, Cisku emocionou o público com interpretações que ultrapassavam o limite da cópia: ele recriava Luke Dube à sua própria maneira, fundindo Joanesburgo e Lobito num mesmo tom de alma.
A ligação entre os dois artistas é mais profunda do que parece. Luke Dube, com o seu estilo soul-africano, melódico e espiritual, sempre cantou o amor e a vulnerabilidade com um peso quase sagrado. Cisku, por sua vez, traz essa sensibilidade traduzida à sua realidade — o Lobito, as igrejas, os bairros, a fé. Quando canta, ele não está a imitar Luke Dube — está a conversar com ele.
É um diálogo entre duas vozes negras, duas geografias da alma, dois continentes interiores ligados pela mesma linguagem: a música como redenção.
Mas há algo de ainda mais profundo no fenómeno Cisku Ndala: ele representa o reencontro do Lobito com a sua própria voz. Durante décadas, a cidade foi conhecida pelo porto, pelo ferro, pela Restinga, pelos comboios e pelos camiões — mas não pelas vozes que a habitam. Com Cisku, o Lobito canta-se a si mesmo. Quando ele aparece na televisão, o bairro pára.
As crianças juntam-se nos quintais, os mais velhos aproximam-se das televisões, e as famílias sussurram: “é o nosso rapaz”. Ele tornou-se símbolo de pertença, orgulho e esperança. Um kamutangre contemporâneo, lutador e fiel às suas raízes, que inspira os jovens a acreditarem que é possível vencer sem renegar de onde se vem.
Por: Fernando Tchacupomba









