No Morro Bento e na Terra Nova, em Luanda, está localizado o Centro Especializado em Ferida e Vascular (Cura Ferida), que nos últimos tempos vai dando resposta positiva aos pacientes, muitas vezes em situação de angústia. Em entrevista ao jornal OPAÍS, o responsável do centro, Dr. João Vieira, enfermeiro formado no Brasil na especialidade de estomaterapia, falou dos tabus à volta das feridas crónicas ou de difícil cicatrização, muitas vezes tidas como incuráveis. O centro, fundado há cinco anos, no dia 11 de Novembro, data que assinala a Independência Nacional, atende anualmente mais de 18 mil pacientes de vários estratos sociais
O que é uma ferida? Respondendo à sua pergunta, uma ferida é a ruptura da pele, isto é, a descontinuidade da pele ou a abertura provocada por algum trauma, patologia ou algum acidente; portanto, é isso o que chamamos de ferida.
Ainda assim, há feridas agudas e crónicas (que hoje se fala ferida de difícil cicatrização), embora outros classifiquem por simples e complexas. As primeiras cicatrizam-se em sete ou catorze dias, ao passo que as outras levam mais de um mês para se cicatrizar.
Por exemplo, as feridas normalmente causadas por alguma patologia de base são as úlceras venosas (insuficiência venosa), que é a massificação de sangue na perna e normalmente se manifesta com um inchaço na perna, porque o sangue do paciente não retorna ao coração como deve ser. Os diabéticos também podem ter essas complicações. Há também feridas causadas por cirurgia. Entretanto, elas classificamse mais ou menos desta forma.
E a cicatrização?
A cicatrização acontece no momento em que as células se unem, as bordas feridas unem-se e a pele integra-se uma com a outra. É a integridade da pele após o tempo de cura. Muitos podem ter essa cura em sete ou menos dias outros por mais tempo.
Por outras palavras, está a dizer que a cicatrização é a cura da ferida?
Certo, é a cura de uma ferida. A união é a cicatrização da ferida.
Que factores vão influenciar o processo de cicatrização?
Há vários factores que fazem com que uma ferida não cicatrize, desde a circulação do sangue no corpo ou uma obstrução nas artérias. Por isso, o que cicatriza a ferida não é o curativo. É também a chegada de sangue à ferida, porque o nosso próprio corpo nos cura. Por isso, é que muitas vezes nos ferimos, mas ela cura sem os curativos, porque vou ter a chegada de sangue nessa região, mas quando o sangue não chega à ferida, ela não tem como cicatrizar.
O mesmo acontece com os diabéticos?
Esse factor ocorre também com outras patologias de base, como a diabete, hipertensão, anemia falciforme, só para citar essas. Por isso, essas patologias constituem barreiras para a cura de uma ferida.
E como é que se pode controlar?
Normalmente, para curarmos uma ferida, não nos focamos só na ferida, mas também no paciente com a ferida, porque não se pode curar uma ferida só fazendo curativos, tem que se tratar primeiramente a doença de base. Quem causou a ferida? Quais são as causas? Porque, quando faz a consulta, primeiro faz uma análise ao paciente para se saber mais sobre os motivos
. Pois, as doenças de base têm como complicação as feridas, por isso é que aqui no centro temos uma equipa multidisciplinar e cada um vai agir numa certa área do paciente. O paciente é visto por vários médicos.
Muitas vezes, o nutricionista tem um papel importante no nosso trabalho. Não é possível tratar um paciente que está desnutrido ou desidratado, porque 70% do corpo humano são compostos por água, e o paciente que não se alimenta em condições, que não bebe água durante o dia, tem dificuldades de cicatrizar a ferida, porque ela precisa de humidade para cicatrizar.
Os diagnósticos errados prolongam o sofrimento dos pacientes?
É preciso dizer que uma outra coisa que impede também a cura de uma ferida são os curativos inadequados. Feridas não diagnosticadas, visto que há mais de 70 diagnósticos de feridas, pensando que tudo é uma ferida normal. É preciso respeitar e fazer correctamente os diagnósticos. Depois é que se define o plano terapêutico.
Os pacientes às vezes se desesperam ao verem que os resultados não chegam. O que têm feito para conter essa impaciência?
O centro Cura a Ferida recebe pacientes que já passaram por várias unidades hospitalares, até aqueles que vêm do tratamento tradicional, um grande número, mas vale realçar que atendemos pacientes de vários níveis. Então, aconselhamos a dirigirem-se para o nosso centro, porque aqui o nosso foco é tratar a ferida dos pacientes.
O que é a terapia de vácuo?
É uma técnica que se utiliza para se cicatrizar feridas. Por exemplo, se um paciente tiver uma ferida grande, colocamos o aparelho, que ao mesmo tempo é a terapia de vácuo, uma técnica que se utiliza para se cicatrizar feridas, e o paciente fica na sua própria casa e um técnico de três em três dias passa para trocar os dispositivos e isto faz com que as células do paciente se multipliquem mais rápido.
E depois de vermos que a ferida do paciente já se encontra em bom nível, ali, chamamos o nosso médico de cirurgia plástica e faz o seu trabalho. Temos uma paciente do Cuanza-Sul que recebeu alta e está curada, durante três meses.
A ferida de um diabético cicatriza ou não?
Isso é mentira, porque tudo depende dos factores que já foram mencionados. As feridas curam. Aqui já curamos feridas de muitos pacientes com diabetes e hoje estão bem.
Quando cheguei do Brasil, onde me especializei, curamos um paciente que tinha uma ferida há 20 anos em três meses. Havia um outro paciente que tinha uma ferida há 10 anos e também foi curado em pouco tempo. As nossas páginas nas redes sociais contam com muitos testemunhos.
As feridas curam! O termo ‘‘ferida crónica’’ ainda pode ser usado?
Aos poucos, o termo ferida crónica vai saindo do nosso vocabulário, porque actualmente, com novos métodos de cura, fala-se em ferida de difícil cicatrização.
Por causa daquilo que é a percepção das pessoas, mas as feridas crónicas curam, porque nós próprios é que nos curamos. Primeiro, o mais importante é melhorar o perfil psicológico, físico e nutricional do paciente e depois “atacar” a cura da ferida. O sangue tem um poder. O sangue tem todos os componentes para curar uma ferida.
Pelos passos dados, a amputação (dos membros) nos dias que correm já não é um problema?
Já não.
Por que razão?
Actualmente, já há mecanismos que evitam a amputação. Já há tratamentos que evitam a amputação. Já há tecnologias que evitam a amputação. Em alguns casos, no nosso país, o número de amputações ainda é preocupante, porque, muitas vezes, as pessoas que tratam esse paciente não têm conhecimentos avançados de como tratar uma ferida.
Uma coisa é fazer o curativo, outra coisa é tratar a ferida e as pessoas focadas nos curativos, nem o próprio profissional fez um diagnóstico sobre a ferida do paciente. Se não diagnosticou, como é que você vai conseguir tratar? Então, os pacientes chegam aos hospitais, muitas vezes, com uma ferida em estado muito avançado.
Por isso, é que os níveis de amputação tendem a aumentar, mas tirando isso, as pessoas vão ganhando o hábito de procurar por especialistas em feridas de difícil cicatrização.
Já há tratamentos que podem evitar a amputação, excepto em pacientes, cujo acto ou processo visa salvar a vida do doente. Por exemplo, quando paciente já fez um tratamento tradicional errado e vai para o hospital com uma ferida necrotizada, toda preta ou o pé todo preto como uma múmia, porque não há circulação de sangue naquela região, não tem como salvar, mas faltou cuidado do paciente e dos diagnósticos que foi fazendo. Então, ali a amputação é prioridade!









