Há uma estranha ironia na nossa dinâmica social: quanto mais estudamos, mais parecemos perder a voz prática da vida. Em Angola, muitos licenciados vivem um silêncio forçado, não pela falta de palavras, mas pela distância entre o diploma e a realidade. Durante anos, fomos ensinados que estudar é o caminho seguro para o sucesso.
A beca, o canudo e a fotografia nas redes sociais tornaram-se símbolos de vitória, status e superação. No entanto, quando o brilho da formatura passa, muitos desses jovens formados descobrem que o mercado não é uma sala de aula e que a vida não distribui notas nem reconhecimentos pelo simples fato de se ter estudado. O licenciado, então, entra num conflito interno: acredita estar num nível muito superior, e por isso não aceita certos tipos de trabalhos. Espera por algo “à altura da sua formação”.
Enquanto espera, o tempo passa, as oportunidades desaparecem e, muitas vezes, a fome aparece. É neste ponto que se instala o silêncio, não o silêncio nobre da reflexão, mas o silêncio pesado da inutilização. Enquanto isso, nas ruas e nas praças, há outros personagens: homens e mulheres com pouca instrução formal, mas com um conhecimento profundo das “regras do jogo”.
São os chamados “bisneiros”, pessoas que entendem o funcionamento prático da sociedade, sabem onde há procura, como negociar, como oferecer um serviço e, sobretudo, como agir com coragem e estratégia. Não têm canudos, mas têm instinto e visão.
Esses “sem curso” não se calam. Agem. Tentam. Erram e aprendem. Com o tempo, tornam-se peritos na prática, enquanto muitos licenciados acumulam diplomas empoeirados e queixas contra o “sistema injusto”.
O curioso é que, na universidade, todos recebem a mesma formação: as mesmas cadeiras, os mesmos professores, os mesmos conteúdos. O que diferencia um profissional do outro é a formação adjacente, aquela que não vem do currículo, mas da atitude, da curiosidade e da disposição para aprender o que o manual não ensina.
O grande erro de muitos licenciados é acreditar que o título basta. Esquecem-se de que a vida não funciona como a escola. Na escola, o professor ensina, o aluno estuda e no fim recebe uma nota. Na vida, o “professor” é a realidade, e ela reprova sem piedade quem não se adapta. A realidade não tem provas marcadas nem revisões de exame; ela exige respostas imediatas.
Cada situação é uma prova surpresa. E quem se limita ao que aprendeu nos livros, sem desenvolver inteligência emocional, criatividade e resiliência, fica perdido quando o conteúdo não corresponde ao enunciado da vida.
Na escola, os erros são apagados com borracha; na vida, custam tempo, dinheiro e dignidade. Por isso, não basta ser instruído, é preciso ser inteligente diante das circunstâncias, saber interpretar o contexto e reagir com sabedoria prática. Não se trata de negar o valor do estudo. A educação é e continuará a ser o caminho mais seguro para o progresso.
Mas o estudo, sem adaptação e sem leitura da realidade, pode tornarse um fardo. Um diploma não é um destino, é apenas um ponto de partida. A faculdade ensina o “o quê” e o “como”, mas raramente ensina o “onde” e o “quando”, e é aí que muitos fracassam. Saber onde estamos inseridos e agir de acordo com as regras daquele espaço é a verdadeira sabedoria.
Porque cada ambiente tem a sua lógica: a escola funciona por notas, o mercado por resultados; a universidade valoriza o conhecimento, a rua valoriza a utilidade. Quem entende isso transforma o saber em ferramenta. Quem não entende, carrega o saber como peso. Em última instância, o conhecimento só liberta quando é aplicado ao contexto certo.
E isso é o que falta a muitos dos nossos licenciados: perceber que, no jogo da vida, não ganha quem sabe mais, mas quem melhor lê o terreno onde pisa. Em Angola, há uma espécie de legislação paralela das ruas, um conjunto de códigos não escritos que regem as relações de trabalho, o comércio informal, a sobrevivência e até a ascensão económica.
Muitos académicos não a conhecem, porque foram ensinados apenas a seguir manuais e a respeitar normas formais. Já os “bisneiros”, os do hustle honesto ,dominam-na com maestria.
Não se trata de negar o estudo, mas de perceber que o conhecimento precisa encontrar um campo fértil onde florescer. O diploma abre portas, mas é a sabedoria prática que mantém essas portas abertas.
O licenciado que se silencia é aquele que espera o mundo reconhecêlo. O que se destaca é o que compreende o mundo e aprende a falar a sua língua.
Por: Mariano de Jesus









