Em entrevista ao jornal O PAÍS, a antiga jogadora de basquetebol do Interclube e da Selecção Nacional, Maria Judith Barbosa Afonso “Manu”, que começou a dar os primeiros passos da modalidade rainha na década de 80, contou que se cruzou primeiro com o andebol, mas se apaixonou pela bola ao cesto por influência da chefe de departamento do clube azul e branco, Domingas Trajano, a tia Mita, notando que tinha uma altura acima da média, 1,86 m, convidou-a para ir aos Bombeiros treinar, onde encontrou o técnico Raul Duarte. Como estudava na então escola 1º de Maio, as coisas ficaram mais facilitadas. Com as cores do Interclube, na posição de poste, conquistou seis campeonatos nacionais. Depois partiu para o Brasil, onde jogou no BCN Piracicaba e também no Trofense de Portugal, onde foi eleita MVP e melhor atleta estrangeira. Em 2011, pela FIBA-AFRICA, já como dirigente no Afrobasket de Bamako, Mali, foi condecorada fazendo parte do grupo das dez melhores jogadoras do continente na década de 90. Neste momento, é a secretária-geral do Sporting Clube de Luanda, formação com história em Luanda e no país
Por que razão não ficou no Petro?
Foi num período em que se estava a fazer lances livres, no entanto, quem acertasse ia para um lado e quem não acertasse ia para o outro, isto foi, se a memória não falha, em 1980, porque a primeira vez que fui para a Selecção Nacional foi em 1981. Infelizmente, nesse dia eu falhei. Fui afastada. Saí do Petro e daí para frente o Interclube se tornou o meu clube.
As coisas aconteceram muito rápido, certo? Lembro-me perfeitamente que eu tinha 14 anos e sou de Fevereiro. Comecei exactamente em Janeiro. Depois, em Setembro ou em Outubro, já na parte final do ano, porque naquela altura as competições era nesse tempo, fui pela primeira vez convocada para a Selecção Nacional.
Era difícil conciliar os estudos e os treinos na época?
Dependia muito da força de vontade que a atleta tinha, porque, se eu estudo de manhã, eu vou treinar à tarde. Se eu estudo à tarde, eu vou treinar de manhã. Era importante ter um meio-termo para estudar e revisar as matérias.
De outro modo, em casa também nos puxavam as orelhas. Houve momentos em que fomos adiando. Houve uma fase em que as selecções saíam e iam para os estágios e também às competições.
Tinha que se fazer um documento. Entretanto, naquela altura, lembro-me, se não foi o doutor Sardinha de Castro, na altura secretário de Estado para os Desportos, ou o doutor Rui Mingas, os dois em memória, saiu uma circular de que todo o atleta que representasse a selecção tinha uma, digamos, uma prerrogativa para fazer as provas assim que regressasse ao país. Então, nos beneficiávamos dessa circular.
Que memórias tem de algumas colegas que entraram consigo no Interclube?
Olha, éramos amigas de verdade. E continuamos a ser. Éramos mesmo uma família. Mesmo as atletas do 1º de Agosto, nossas adversárias, eram só em campo, porque, quando terminasse o jogo, estava tudo bem. Éramos amigas. Se tivéssemos que ir à festa, íamos. Se uma tivesse que dar boleia à outra, dava normalmente. Não havia rivalidade fora do campo.
Ainda se lembra de alguns nomes?
Falo da minha eterna capitã, a Itelvina Santana (Vininha), Telma Gourgel, Odeth, Chiquinha, Rosa Cardoso, Irene Guerreiro, Gina, Teresa, Fatinha, mulher do Jean Jacques, e outras atletas como a Toyota, por exemplo, que também era dos Leões de Luanda, hoje Sporting, e depois passou para o Inter, a Tuninha, NTumba Maiassy, Isabel Major, Manuela Oliveira, já como adversárias, Joana Adriano e outras, portanto, são as minhas contemporâneas.
Esse grupo da Isabel Major e NTumba Maiassy eram minhas mais velhas, as outras são da minha idade e uma ou outra mais nova de um ano e sempre estivemos juntas na selecção e no grupo.
Hoje, depois de pendurarem as botas, quando se cruzam voltam ao passado?
Conversamos sobre muitas coisas. Primeiro, saber como está a família, filhos, marido e tudo mais. Depois, vamos recordando, o passado, o tempo em que íamos aos campeonatos nacionais que eram concentrados, em tempo de guerra, íamos de vôo militar, as vezes à revelia da família, porque era tempo de conflito armado, e, claro que os pais não autorizavam os filhos a irem, mas nós ficávamos ali, chorávamos, etc.
Uma coisa que está presente na minha mente até hoje é a forma como perdemos duas colegas do Bié no tempo da guerra. Desapareceram foram dadas como morta. Mas, lembro-me, enquanto o campeonato estivesse a decorrer, não ouvíamos um único disparo.
Depois que terminasse o campeonato e regressássemos para Luanda é que ouvíamos as notícias que houve isso no Huambo, Bié e que a fulana e a beltrana a fugirem da guerra ninguém sabe o paradeiro delas, mas a fulana morreu mesmo. Então, tenho isso até hoje na minha mente!
Foram os momentos mais marcantes?
Muito! Quando me lembro disso, emociono-me sempre, porque convivi com elas. Éramos adversárias, éramos amigas, e o facto de irmos para lá, pronto, naquele momento de guerra, ganhávamos o jogo, mas depois estávamos sempre juntas.
Na altura havia mais espírito de camaradagem?
Na altura, não jogávamos por salários. Por exemplo, não tínhamos contratos como nos dias de hoje. Naquele tempo não era assim. Por exemplo, no Interclube, tínhamos direito a um cartão de abastecimento e íamos à loja dos oficiais da polícia buscar a cesta básica. E era isso! Ficávamos muito felizes.
Quando ganhássemos o campeonato, o ministro do Interior, na altura, oferecia-nos uma motorizada, uma geleira, um fogão e eram esses os prémios que nos davam naquela altura.
 
			 
					




 
							



