O teatro angolano, nas suas múltiplas expressões e linguagens, tem construído uma identidade cênica marcada pela relação intensa entre o corpo do ator, o espaço e o objeto. Os adereços cénicos, longe de serem meros complementos decorativos, assumem um papel essencial na comunicação dramática, transformando-se em extensões do discurso do ator e em pontes simbólicas entre a realidade e a ficção.
Como afirma Patrice Pavis (2015), “o objeto em cena é uma forma de prolongamento do corpo do ator e participa da criação do sentido teatral” (p. 212). Historicamente, o teatro feito em Angola emergiu num contexto de resistência cultural e reconstrução identitária. Desde os grupos amadores que, nas décadas de 1970 e 1980, usavam o teatro como forma de expressão social e política, até às companhias contemporâneas que exploram novas linguagens performativas, os objetos sempre estiveram presentes como mediadores de significados.
Um simples pano, uma cadeira ou um tambor, por exemplo, podem tornar-se elementos poéticos capazes de sugerir um universo inteiro, representando o quotidiano angolano, os rituais tradicionais ou as tensões da vida urbana (Oliveira, 2018). O uso expressivo dos adereços cénicos em Angola revela também a criatividade dos encenadores e atores diante das limitações materiais.
A escassez de recursos não se traduz em pobreza estética, mas sim em engenho e invenção. O objeto é reinventado, ressignificado, ganha novos sentidos conforme o contexto dramatúrgico. Nesse sentido, Peter Brook (1999) lembra que “um espaço vazio, um ator e um objeto são suficientes para criar o acontecimento teatral” (p. 17). Essa visão minimalista e simbólica tem grande ressonância na prática teatral angolana, onde a simplicidade se converte em força expressiva.
Nos espetáculos contemporâneos, observa-se um diálogo cada vez mais consciente entre o corpo e o objeto. Encenações de grupos como: AFFRO THÉÂTRO, ENIGMA TEATRO, OMBAKA TEATRO, VOZES D’AFRICA ou o NÚCLEO DE PESQUISA BIMPHAD, … Exploram o potencial plástico e narrativo dos adereços cénicos. O ator já não apenas manipula o objeto: ele dialoga com ele, incorpora-o, transforma-o em personagem.
O adereço torna-se extensão do gesto, elemento rítmico e portador de emoção. Segundo Artaud (2006), o teatro deve “recuperar o poder mágico e ritual dos objetos, devolvendo-lhes sua energia simbólica e transformadora” (p. 56). Essa abordagem leva a refletir sobre a dimensão simbólica dos objetos na cultura angolana. Em muitas tradições, os objetos possuem uma força espiritual e comunicativa: carregam memórias, identidades e histórias coletivas.
Quando entram em cena, transportam consigo esse valor simbólico, estabelecendo uma ponte entre o teatro e a vida, entre o ritual e a representação. Como escreve Mbembe (2017), “a matéria carrega memória, e toda forma visível traz em si o rastro do invisível” (p. 89).
O palco torna-se, assim, um espaço onde o visível e o invisível se encontram através da materialidade dos objetos. Em suma, a expressão e o uso dos objetos no teatro feito em Angola ultrapassam a função utilitária e decorativa.
Eles constituem uma linguagem própria, um território de experimentação estética e simbólica que contribui para a singularidade da cena angolana. Ao reinventar os objetos, o teatro de Angola reinventa também a forma de olhar para si mesmo, afirmando-se como arte viva, criativa e profundamente enraizada na sua cultura.
POR: PINTO NSIMBA
Professor Mestre Pinto Nsimba.









