Em Setembro de 2022, o Executivo apresentou o lema “Trabalhar mais e comunicar melhor”, como sinal de uma nova etapa de governação orientada para a eficiência e a proximidade com o cidadão.
Mas dois anos depois, essa premissa permanece distante da realidade, revelando fragilidades estruturais na concepção e implementação da comunicação governamental. No passado dia 9 de Setembro do corrente ano, publiquei, neste jornal, o artigo “Quando a comunicação governamental não possui estratégia, a política perde credibilidade”.
No referido texto, analisei os discursos da ministra da Educação, Luísa Grilo, proferidos no “Café CIPRA”, em Abril, e a sua postura considerada “arrogante” durante a abertura do ano lectivo 2025/2026, quando foi confrontada com as falhas detectadas nos manuais escolares.
O episódio expôs um descompasso entre o discurso político e a percepção pública, tendo evidenciado a ausência de uma coordenação estratégica que assegure coerência e alinhamento institucional.
A diferença entre o discurso da ministra e o do Presidente da República, João Lourenço, cuja narrativa tem sido de valorização da comunidade angolana na diáspora, tanto na sua intervenção em Portugal, Abril de 2024, quanto na I Conferência Nacional sobre Capital Humano, em Agosto do mesmo ano, demonstra a inexistência de uma política de comunicação integrada. Em vez de convergência, o que se observa é dispersão de mensagens e contradição de posições, factores que minam a credibilidade do Governo e reduzem o impacto das suas iniciativas.
A comunicação governamental não pode ser reduzida a discursos ocasionais ou a reacções improvisadas. Como sustenta Jürgen Habermas (1981), na Teoria da Acção Comunicativa, comunicar significa “estabelecer entendimento mútuo” e não apenas “transmitir informação”.
Neste contexto, ainda predomina uma visão instrumental da comunicação orientada para a defesa política e não para o diálogo social, o que enfraquece o poder simbólico do Estado e distancia as instituições do cidadão comum.
A recente “polémica” em torno da Proposta de Lei das Condecorações é ilustrativa dessa incoerência comunicacional. Desde o início do ano, sectores da sociedade civil e da UNITA defenderam que as distinções alusivas aos 50 anos da Independência deviam incluir os três pais fundadores da Nação: António Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Malheiro Savimbi.
Contudo, o MPLA rejeitou a proposta em sede de especialidade, alegando que apenas Neto preenchia os critérios estabelecidos. O antigo secretário de Estado da Comunicação Social, Celso Malovaloneke, num artigo publicado a 11 de Fevereiro no Novo Jornal, intitulado “A exclusão de Jonas Savimbi e Holden Roberto das condecorações dos 50 anos da Independência: certo ou errado?”, defendeu que a decisão tinha fundamentos políticos, simbólicos e jurídicos.
Todavia, o discurso do Presidente da República, proferido a 15 de Outubro, durante a sua mensagem sobre o Estado da Nação, em que anunciou as condecorações de Holden Roberto e Jonas Savimbi, inverteu a posição anterior do partido.
O gesto foi aplaudido pelos mesmos deputados que haviam rejeitado a proposta meses antes. Esta inversão de posição, ainda que politicamente significativa, revelou a fragilidade da comunicação institucional e a ausência de um Plano Estratégico de Comunicação que integre a mensagem presidencial, partidária e governamental.
A comunicação do Estado continua a ser reactiva, dependente de crises e pressões mediáticas, em vez de pró-activa, planeada e orientada por objectivos mensuráveis. Assim, o lema “Trabalhar mais e comunicar melhor” permanece como um artifício retórico, sem expressão prática no campo da governação. Manuel Castells (2009) recorda que “o poder, na era da informação, pertence a quem constrói significado através da comunicação”.
A citação sintetiza o desafio que o Governo enfrenta que consiste em transformar a comunicação num instrumento de legitimação política, de gestão da imagem institucional e de consolidação da coesão nacional.
O poder de comunicar reside, sobretudo, na capacidade de definir o sentido das acções públicas e de gerir a narrativa colectiva com coerência e transparência. Após 23 anos de paz efectiva e meio século de independência, Angola precisa de uma visão estratégica capaz de consolidar a sua memória histórica e projectar o futuro com base em valores comuns.
A maturidade política impõe o reconhecimento dos que contribuíram para a libertação nacional, independentemente da sua filiação partidária. Como afirmou Amílcar Cabral, “a história não se apaga, e o mérito de quem lutou pela libertação não se nega, porque é o alicerce da dignidade nacional”.
Reconhecer os feitos dos fundadores da Nação é, também, um acto de pedagogia política e um exercício de reconciliação simbólica, indispensável para restaurar a confiança pública. Em suma, o maior desafio do Governo não é apenas o de trabalhar mais, mas o de comunicar melhor.
Tal exigência pressupõe planeamento estratégico, coordenação interinstitucional e uma cultura de comunicação baseada na verdade, na coerência e no compromisso com o cidadão. Só assim o lema governamental vai deixa de ser um slogan político para se transformar numa prática concreta de gestão pública e liderança democrática.
Por: OLÍVIO DOS SANTOS
Consultor de Comunicação Integradda