Falar de justiça é, por natureza, falar de equilíbrio, de ética e de verdade. No entanto, em Angola, tornase cada vez mais difícil defender o sistema judicial sem reconhecer que ele próprio tem sido vítima de quem deveria protegê-lo.
A justiça tem sido injustiçada, e o mais vergonhoso é que tal ocorre pelas mãos dos seus próprios entes, ou seja, aqueles a quem o Estado confiou o dever de garantir imparcialidade, respeito pela lei e defesa do cidadão.
A Lei n.º 2/22, de 17 de Março, que aprova a Lei da Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, veio reafirmar princípios fundamentais como a independência dos tribunais, a imparcialidade dos juízes e o acesso equitativo à justiça.
No papel, a lei é clara e moderna. Define uma estrutura judicial que pretende aproximar o cidadão da justiça, reforçando o papel dos tribunais de comarca e garantindo maior celeridade processual.
Contudo, na prática, o que se verifica é um distanciamento crescente entre os princípios da lei e o comportamento de alguns dos seus aplicadores. A independênia judicial, tantas vezes proclamada, é colocada em causa quando pressões externas ou internas influenciam decisões. A imparcialidade é ferida quando o interesse público cede espaço a favoritismos.
E o acesso equitativo à justiça torna-se uma ilusão quando a morosidade processual e a falta de transparência afastam o cidadão comum dos tribunais. O povo acredita na justiça quando a vê funcionar com transparência e coragem.
Mas o que temos testemunhado é uma sucessão de actos que descredibilizam o sistema, exemplos claros são os processos que se arrastam sem fim, decisões que levantam mais dúvidas do que certezas e uma crescente percepção de que a lei nem sempre é igual para todos.
Quando os próprios operadores da justiça “juízes, procuradores, advogados e funcionários judiciais” se tornam reféns de interesses alheios à lei, a justiça perde a sua essência e passa a ser instrumento de poder, e não de verdade. A degradação da confiança pública é o maior dano.
Um povo que deixa de acreditar na justiça está condenado à descrença em todas as instituições. E quando o cidadão sente que recorrer ao tribunal é inútil, o tecido social enfraquece, a corrupção próspera e a impunidade ganha terreno. Contudo, é possível resgatar a credibilidade do sistema.
A Lei da Organização dos Tribunais estabelece mecanismos de fiscalização interna e disciplina que devem ser aplicados com firmeza, para que o próprio sistema possa corrigir os seus desvios.
É preciso valorizar magistrados que honram a toga com dignidade, punir sem medo os que a mancham e investir numa formação contínua que reforce a consciência ética e o sentido de missão dos operadores da justiça.
A justiça só será justa quando os seus próprios entes compreenderem que servir o direito é servir o país. E Angola só será verdadeiramente livre quando cada sentença, cada decisão e cada acto judicial forem guiados, não pelo poder, mas pela verdade conforme manda a lei, e como exige a consciência de uma nação que ainda acredita na justiça. JUSTIÇA PELA JUSTIÇA…
Por: YONA SOARES
Advogada