A Mensagem sobre o Estado da Nação, proferida pelo Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço a 15 de Outubro de 2025, representa um marco singular na história contemporânea de Angola, coincidindo com o cinquentenário da Independência Nacional. O discurso transcende o formato tradicional de prestação de contas, assumindo uma dimensão memorial e simbólica que reflecte sobre cinco décadas de soberania, reconstrução e coesão nacional.
A presente análise, de natureza académica, examina criticamente os principais eixos do discurso presidencial, com enfoque nos avanços estruturais, nos desafios persistentes e no significado político das condecorações recentemente atribuídas a figuras históricas da luta de libertação.
1. Contextualização Política e Histórica
O discurso de 2025 está profundamente enraizado na narrativa histórica do Estado angolano. O Presidente recorre a uma leitura de continuidade entre o passado e o presente, sublinhando que a Nação se edificou sobre o sacrifício de várias gerações e que o futuro — materializado no programa Angola 2050 — depende da preservação da paz e da unidade nacional.
Neste contexto, o acto de condecoração de figuras como Jonas Malheiro Savimbi (líder fundador da UNITA) e Holden Roberto (fundador da FNLA) adquire uma relevância política e simbólica de primeira ordem.
Pela primeira vez desde a independência, o Estado angolano reconhece formalmente o contributo plural dos movimentos de libertação, promovendo um gesto de reconciliação histórica que transcende as divisões partidárias.
Trata-se de um marco de maturidade política e de afirmação do princípio constitucional da unidade nacional. Este gesto, de natureza institucional e não partidária, reforça a tese de que a consolidação da paz não se resume à ausência de conflito, mas ao reconhecimento mútuo e à inclusão de todas as memórias que compõem o tecido da Nação.
2. Avanços no Sector Social: Saúde e Educação
O Presidente apresentou indicadores robustos de desenvolvimento humano. No sector da saúde, o número de unidades sanitárias ultrapassa as 3.300, com mais de 44 mil camas e 46 mil novos profissionais integrados desde 2017.
A implementação da cirurgia robótica, a expansão da rede laboratorial e a redução da mortalidade materno-infantil reflectem progressos tangíveis. Na educação, os ganhos quantitativos são igualmente significativos: mais de nove milhões de alunos matriculados, 126 mil salas de aula e 330 mil estudantes no ensino superior.
A aposta em ciência, tecnologia e inovação, reforçada pela criação do Parque de Ciência e Tecnologia de Luanda, demonstra uma orientação estratégica para o desenvolvimento do capital humano. Contudo, persiste o desafio qualitativo: a melhoria das condições de trabalho dos professores e profissionais de saúde, a redução das assimetrias regionais e a adequação curricular às exigências do mercado laboral.
3. Economia e Reformas Estruturais
A estabilidade macroeconómica é apontada como um dos principais êxitos governativos. A redução da dívida pública para 55,5% do PIB e o controlo da inflação evidenciam uma política fiscal prudente.
Os programas de diversificação, como o PRODESI e o Plano Nacional de Fomento Industrial, reflectem uma estratégia de transição para uma economia produtiva. Ainda assim, a industrialização depende da consolidação de um ambiente de negócios previsível, da eficiência institucional e da plena aplicação das Leis n.º 10/18 e 10/21, sobre o investimento privado e a concorrência económia.
4. Agricultura e Indústria
O discurso evidencia o potencial produtivo da agricultura nacional, com ênfase na reabilitação de 30 mil hectares irrigados e no fortalecimento da agricultura familiar. Os projectos de produção de vacinas veterinárias e de mudas agrícolas representam uma aposta em ciência aplicada.
A indústria nacional, com mais de 700 unidades activas, é apresentada como pilar da substituição de importações. No entanto, a sustentabilidade do sector depende de políticas de apoio à inovação, da redução dos custos logísticos e da implementação de zonas económicas especiais com gestão transparente e eficaz.
5. Emprego, Formação e Inclusão
Financeira A promoção do emprego juvenil e da inclusão financeira constitui um eixo transversal das políticas públicas. O aumento da taxa de bancarização e a expansão da formação técnica representam passos concretos. Todavia, é necessário reforçar a articulação entre os programas de formação e as necessidades do sector produtivo, de modo a evitar a desadequação entre qualificações e oportunidades reais de emprego.
6. Governança e Sustentabilidade Fiscal
O Presidente destacou a melhoria da gestão macroeconómica e da disciplina orçamental. Ainda assim, a sustentabilidade fiscal requer maior transparência na execução dos projectos públicos e no processo de privatizações.
Recomenda-se a institucionalização de um painel nacional de indicadores públicos, permitindo à sociedade acompanhar o desempenho económico e social do Estado de forma periódica e objectiva.
7. O Significado das Condecorações e o Processo de Reconciliação Nacional
A inclusão, na Mensagem de 2025, de referências explícitas às condecorações póstumas de Jonas Malheiro Savimbi e Holden Roberto, bem como de outras figuras ligadas à história da libertação nacional, representa um gesto de grande alcance simbólico.
Essas distinções funcionam como instrumentos de reparação moral e histórica, sinalizando o compromisso do Estado com a reconciliação nacional. No plano político, tal decisão reforça a legitimação institucional do processo de paz iniciado em 2002, reafirmando que a Nação angolana é herdeira de todas as suas lutas, independentemente das diferenças ideológicas ou partidárias.
Do ponto de vista jurídico e constitucional, tais actos de reconhecimento público concretizam os princípios de unidade e igualdade consagrados no artigo 23.º da Constituição da República de Angola.
No plano sociopolítico, contribuem para a despolarização do debate histórico e para a construção de uma memória nacional inclusiva, essencial à consolidação da democracia. O gesto de Estado expressa, portanto, uma política de memória reconciliadora que inscreve Angola no paradigma das nações que valorizam o pluralismo histórico como fundamento da sua identidade colectiva.
8. Considerações Finais
A Mensagem sobre o Estado da Nação de 2025 combina balanço governativo, reflexão histórica e visão estratégica. A inclusão das condecorações a figuras outrora divergentes, como Jonas Malheiro Savimbi e Holden Roberto, marca uma viragem simbólica e moral na narrativa política angolana.
Ao reconhecer a pluralidade de contributos para a independência, o Estado reafirma o valor da reconciliação nacional como base da unidade e da paz duradoura. Todavia, um discurso, por mais bem estruturado e inspirador que seja, só alcança plenitude quando encontra correspondência na vida real dos cidadãos.
O verdadeiro teste da Nação não está apenas na retórica política, mas na capacidade de transformar símbolos em políticas, palavras em práticas e promessas em prosperidade tangível.
O desafio maior de Angola, cinquenta anos após a independência, é fazer com que a paz seja acompanhada de bem-estar, descanso quotidiano, justiça social e oportunidades equitativas. É necessário, portanto, que o simbolismo das condecorações e o apelo à unidade nacional se convertam em acções concretas de governação: políticas públicas sustentáveis, instituições eficientes, combate efectivo à pobreza e valorização do capital humano.
A reconciliação histórica deve caminhar lado a lado com a reconciliação económica, garantindo que o progresso nacional se traduza em melhoria real das condições de vida — não apenas nos centros urbanos, mas em cada município e comunidade rural.
Apesar dos avanços reconhecíveis em matéria de estabilidade macroeconómica, expansão da rede social e reforço das infra-estruturas, o país deve reforçar a qualidade das políticas públicas, consolidar a segurança jurídica, modernizar a administração pública e apostar numa educação transformadora, capaz de formar cidadãos críticos, inovadores e produtivos.
Assim, a Mensagem sobre o Estado da Nação de 2025 não deve ser vista apenas como um exercício de comunicação política, mas como um convite à construção de uma Angola madura, próspera e justa — uma Angola onde a paz se manifesta não só na ausência de guerra, mas também no sossego do trabalhador, na esperança da juventude e na confiança do investidor.
Somente quando o discurso institucional se fundir com a experiência diária do cidadão comum, poder-se-á afirmar que a reconciliação nacional se tornou, enfim, um estado de vida — e não apenas uma narrativa de Estado.
Por: FLORINDO NANGOSSALI
Jurista, Mestre em Direito e Negócios Internacionais