A solidariedade é, sem dúvida, um dos valores mais nobres da humanidade. Num mundo marcado por desigualdades e necessidades gritantes, estender a mão a quem precisa é uma demonstração de empatia e humanidade.
Mas há uma questão que raramente paramos para pensar: até que ponto estamos realmente a ajudar, e em que momento a nossa ajuda pode estar a manter a dependência de quem recebe? Em Angola, como em muitas outras partes do mundo, temos exemplos de iniciativas que nos enchem de orgulho: desde as sopas solidárias, que todos os anos alimentam milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade, até campanhas de recolha de bens para vítimas de cheias, incêndios ou outras catástrofes.
Essas acções são necessárias e devem ser celebradas, pois trazem alívio imediato a quem sofre. No entanto, precisamos de reconhecer que o impacto delas, na maior parte dos casos, é temporário.
Uma refeição aquece o estómago durante algumas horas, mas não resolve a fome do dia seguinte. Uma cesta básica garante provisões para uma semana, mas não muda a condição de vida de uma família.
Do outro lado, há exemplos menos visíveis, mas muito mais transformadores. Pessoas anónimas que pagam propinas a crianças e jovens, permitindo que estes tenham acesso à educação e, consequentemente, a uma vida com mais oportunidades.
Empresários que apoiam a criação de pequenas cooperativas de mulheres, ajudandoas a sair do ciclo de dependência e a ganhar autonomia financeira. Iniciativas de microcrédito, que dão a chance a pequenos agricultores e vendedores de rua de expandirem os seus negócios e sustentarem as suas famílias com dignidade.
É aqui que a grande diferença se revela: enquanto um tipo de ajuda gera dependência, outro cria autonomia. Quando apenas damos o peixe, o risco é formar pessoas eternamente dependentes, sem ferramentas para caminhar com as próprias pernas. Mas quando ensinamos a pescar, quando damos acesso ao barco, à rede e ao rio, estamos a dar condições para que a ajuda se multiplique no futuro.
Importa ainda olhar para o outro lado desta moeda: o da intenção de quem ajuda. Há quem o faça com amor, no silêncio e sem câmaras, apenas para aliviar a dor de quem sofre. Mas há também quem transforme a solidariedade em palco de promoção pessoal, exibindo pequenos gestos como grandes feitos, enquanto os beneficiários, muitas vezes, são expostos e humilhados.
A verdadeira solidariedade não expõe, não prende, não humilha. Pelo contrário, liberta, fortalece e abre horizontes. E aqui entra a reflexão necessária: como sociedade, precisamos de repensar os nossos modelos de solidariedade.
Continuaremos a precisar de acções emergenciais, pois há sempre quem precise de socorro imediato. Mas se não avançarmos para um modelo de ajuda sustentável, estaremos apenas a adiar o problema.
O convite hoje é à reflexão: o que é que as nossas ajudas têm gerado? Dependência ou autonomia? Promoção própria ou transformação real? Talvez a verdadeira solidariedade não esteja apenas em dar, mas em dar condições para que quem recebe possa um dia também ajudar. No fim, ajudar deve ser um gesto de amor, mas também de visão.
Porque mais importante do que oferecer aquilo que resolve hoje, é criar caminhos que permitam resolver também o amanhã. Receba o carinhoso e apertado abraço, bem como a promessa de voltar com mais partilhas matinais.
Por: LÍDIO CÂNDIDO “VALDY”
N’gassakidila.