Num momento em que Angola procura diversificar as suas fontes de receita pública e fortalecer a justiça fiscal, a tributação do património torna-se um tema central, embora ainda pouco explorado. O actual sistema tributário angolano dá maior ênfase à tributação sobre o consumo e sobre o rendimento, deixando de lado instrumentos eficazes como o imposto sobre grandes patrimónios.
Em diversos países, esse tipo de imposto é usado como ferramenta para promover a redistribuição de riqueza e reduzir desigualdades sociais. No entanto, a sua implementação em Angola exige uma reflexão profunda sobre os desafios, oportunidades e impactos associados.
A realidade tributária de Angola contempla alguns impostos que incidem sobre o património, ainda que de forma segmentada e limitada. Entre eles, destacam-se o Imposto Predial Urbano (IPU), que incide sobre a posse de imóveis urbanos, e o Imposto Predial sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IPTOI), aplicado nas operações de compra e venda de imóveis.
Há ainda o Imposto de Selo, que recai sobre determinados actos jurídicos e contratos. Apesar da sua importância, estes tributos não são suficientes para capturar a totalidade da riqueza detida por indivíduos e empresas.
A ausência de um imposto sobre o património líquido global, que considere bens móveis, imóveis, aplicações financeiras, veículos de luxo, obras de arte, participações empresariais e outros activos, deixa lacunas relevantes no sistema fiscal angolano.
Em um contexto de desigualdade crescente, essa lacuna contribui para uma concentração ainda maior da riqueza em grupos restritos, ao passo que as classes média e baixa suportam proporcionalmente maior carga tributária sobre consumo e rendimento.
A proposta de introdução de um imposto sobre grandes patrimónios em Angola, embora promissora, enfrenta diversos obstáculos: Limitações administrativas e tecnológicas: a Administração Geral Tributária (AGT) ainda carece de sistemas integrados que permitam rastrear e avaliar de forma eficiente o património dos contribuintes.
Baixo nível de formalização: grande parte da riqueza patrimonial em Angola permanece fora dos cadastros oficiais, o que dificulta a base de incidência de qualquer imposto desse tipo. Risco de evasão fiscal e fuga de capitais: a ausência de mecanismos de transparência e troca de informações financeiras pode incentivar estratégias de ocultação patrimonial.
Apesar desses desafios, o imposto sobre o património pode gerar benefícios significativos: Aumentar a arrecadação pública sem penalizar os mais pobres; Estimular o cadastro e registo oficial de bens; Promover a equidade fiscal, ao garantir que quem tem mais contribua de forma proporcional. É necessário, no entanto, um desenho jurídico cuidadoso, com critérios claros de avaliação, limites mínimos elevados (para atingir apenas grandes fortunas) e mecanismos de fiscalização inteligentes e tecnológicos.
Angola encontra-se diante de uma oportunidade estratégica de rever a sua estrutura tributária à luz dos desafios sociais e económicos contemporâneos.
A criação de um imposto sobre o património, aplicado com responsabilidade e foco nos contribuintes de maior capacidade económica, pode fortalecer os pilares da justiça fiscal e da redistribuição de riqueza. Para isso, é necessário investir em modernização administrativa, integração de dados patrimoniais e construção de consensos políticos e sociais.
Mais do que um instrumento de arrecadação, o imposto sobre o património pode tornar-se uma alavanca para a construção de um país mais justo, inclusivo e economicamente sustentável.
Por: MARIA DE MOURA
Especialista em Direito Fiscal