Durante séculos, a Europa foi centro de poder mundial. O velho continente não apenas definia o seu próprio destino, mas também irradiava ciência, cultura e modelos de governança que moldaram a geopolítica global. Após as duas grandes guerras e seguida da Guerra Fria, parte desse grande protagonismo foi gradualmente transferido para os Estados Unidos da América e para a União Soviética.
Ainda assim, a União Europeia, sobretudo após a sua consolidação nos anos 1990, buscou afirmar-se como uma potência autónoma com o equilíbrio de poder alinhado à diplomacia, comércio exterior e na defesa dos direitos humanos.
A Europa, diretamente atingida pelo conflito nas suas fronteiras, tem demonstrado ser incapaz de assumir a dianteira na busca por soluções políticas, militares ou diplomática.
Ao contrário do que esperávamos de um bloco que possui uma densidade populacional de mais de 440 milhões e é uma das maiores economias globais, portanto, desde o início da escalada desta guerra em fevereiro de 2022, a postura dos líderes europeus tem sido marcada pela hesitação e pela dependência direita das decisões provenientes de Washington DC. A crise energética expôs essa vulnerabilidade.
Por décadas, a Europa ergueu uma dependência sistémica do gás russo, e a guerra forçou o continente a procurar alternativas de forma precipitada, pagando custos económicos e sócias elevados. A inflação cresceu drasticamente, a competitividade no sector industrial reduziu significativamente e impulsionou negativamente a coesão interna entre as nações europeias, testada ao limite.
O sonho de uma Europa autónoma/um Estado Nação no contexto da política externa, substitui a realidade em que “as decisões estratégicas necessitam alinhar-se aos interesses dos Estados Unidos da América”.
Além da relação com os Estados Unidos, outro elemento reforça a perda de preponderância europeia o avanço da China como um actor relevante na diplomacia económica. Há muito tempo que Pequim posiciona-se como mediador pragmático, enquanto investe vigorosamente em infraestrutura, variados tipos de tecnologias e regência/influência global.
Moscovo, por sua vez, maximiza a divisão europeia para fortalecer sua narrativa de rejeição ao Ocidente. Nessa conjuntura, a Europa fica à margem e torna-se zona de pressão entre grandes potências, ou seja, um campo de batalha geopolítico.
O futuro acordo de paz russo-ucraniano será decisivo para consolidar esse diagnóstico. Se os europeus não conseguirem assumir um papel central no processo de mediação e posteriormente na reconstrução da Ucrânia, correm o risco de fragilizar sua imagem de continente reativo, mas que apenas responde às jogadas estratégicas da Casa Branca e inclusive à do Kremlin.
Se assim for, isso enfraquecerá ainda mais a credibilidade do bloco nos futuros processos de mediador ou com negociador internacional, desde o Oriente Médio, Ásia e até a África, regiões onde nas últimas décadas tem perdido espaço e influência geopolítica. Em última análise, a decadência da liderança europeia poderá tornar-se um dos legados mais duradouros desta guerra.
Um continente que já possui o centro das renomeadas lideranças que tomavam decisões globais, encontra-se hoje em uma posição de vulnerabilidade e ambiguidades estratégicas entre as suas lideranças, reagindo mais do que agindo, e submetendo seu futuro aos interesses de Washington, ao cálculo de Moscou e à ascensão decorrente de Pequim.
O pós-guerra não trará consigo somente o desafio de encerrar as hostilidades na Ucrânia, mas também de responder a uma questão crucial: quais actores redefinirão e consolidarão da ordem internacional do século XXI? Se a Europa não rebuscar/recuperar sua capacidade de iniciativa, o protagonismo poderá escapar-lhe de forma definitiva.
Por: VENCESLAU MÁRIO
Buchareste, Roménia, 2.09.2025 *Diplomata e Presidente da Comunidade Angolana na Roménia.