No último sábado, levei os meus filhos a viver uma experiência que, para mim e para a mãe deles, era quase um exercício pedagógico. A Micaela já adolescente e com mais consciência do mundo à volta e o Gael com quase oito anos, queríamos apresentá-los a uma realidade diferente daquela a que estão habituados. Escolhemos o mercado do Sabadão, na zona da Funda.
Para nós, adultos, o mercado representa aquilo que chamamos de “vida real”: barulho, correria, disputa de clientes, crianças a trabalhar em plena rua, vendedores a gritar para chamar atenção, cheiros fortes, calor intenso. Mas, para quem cresceu em ambientes mais protegidos, organizados e com algum conforto, o choque foi imediato.
Logo à entrada, deparámo-nos com a cena clássica dos rapazes a correr atrás dos carros, oferecendo-se para carregar compras. A energia era tanta que parecia uma competição.
Lá dentro, multiplicavam-se os gritos das senhoras: – “Madrinha, bem bonita, vem comprar aqui!” – “Essa filha da madrinha parece que faz novela, latona bem bonita!” – “Olha só esse rapaz, tão limpo, vem aqui madrinha!” As expressões típicas da nossa cultura popular eram acompanhadas por uma insistência que, para eles, soou a invasiva. No fim da visita, quando lhes perguntámos se tinham gostado, a resposta foi firme e sem rodeios: – Não. Odiámos.
E foi a Micaela, com aquela calma de adolescente que consegue ferir e ensinar ao mesmo tempo, quem acrescentou: “Essa pode ser a realidade dessas pessoas, mas não é a nossa.
Nós, graças a Deus, vivemos outra realidade. Os nossos pais conseguiram dar-nos outra vida. Somos gratos, mas não queremos voltar aqui.” Naquele momento, fiquei dividido. Por um lado, queria que percebessem que nem todos vivem com as mesmas condições e que muitas das coisas que têm não são universais. Queria que aprendessem gratidão.
Mas, por outro lado, percebi que talvez não seja justo esperar que carreguem culpas por viverem uma vida diferente daquela das crianças que corriam atrás do carro.
Esse dilema não é só meu. Muitos pais angolanos vivem a mesma inquietação: como educar filhos num contexto de privilégios sem que se tornem arrogantes ou insensíveis? Como mostrar que existem desigualdades sem cair na armadilha de transformar a vida numa competição de sofrimentos? Ao reflectir, percebi que a maior lição talvez não seja colocá-los em contacto direto com o desconforto, mas sim ensiná-los a respeitar e valorizar aquilo que têm, sem desdenhar quem vive outra realidade.
A vida não pede que sintamos culpa por termos mais, mas que usemos o que temos com responsabilidade. O filósofo brasileiro Mário Sérgio Cortella costuma dizer que “educar é preparar alguém para viver no mundo como ele é, e não como gostaríamos que fosse”. O mercado do Sabadão é apenas uma amostra do mundo como ele é.
Cabe a nós ensinar os nossos filhos a olhá-lo sem nojo, sem arrogância e sem pena excessiva, mas sim com consciência e compaixão. É comum que nós, adultos, carreguemos uma espécie de culpa silenciosa por termos mais do que outros. Essa culpa, muitas vezes, paralisa. Mas o caminho mais saudável é transformar a culpa em gratidão activa. Não basta dizer “graças a Deus que tenho mais”, é preciso pensar: “Como posso usar o que tenho para impactar positivamente a vida de alguém?” Ensinar isso às crianças é talvez o maior desafio.
Não se trata de levá-las a sofrer, mas de fazê-las perceber que a vida real tem muitas versões. E que, se hoje estão do lado mais privilegiado, amanhã podem ser chamadas a ajudar quem está no outro lado.
Do seu lado, já levou os seus filhos a uma praça? Que impacto teve? Sentiu a mesma resistência que eu senti? Talvez a resposta deles não seja a que espera, mas ainda assim será uma oportunidade para reflectir em família sobre respeito, empatia e consciência social. A vida não precisa ser igual para todos, mas precisa ser vivida com dignidade para todos.
E talvez a maior herança que possamos deixar aos nossos filhos não seja o conforto material, mas sim a capacidade de olhar o mundo sem preconceito e sem cegueira. Que Deus nos dê sabedoria para educar com amor, consciência e firmeza. Receba o meu carinhoso e apertado abraço. N’gassakidila.
Por: LÍDIO CÂNDIDO “VALDY”