A frase Não ‘li’ vi. e Não ‘li’ disse. em Angola, com certeza, são muito famosas. Elas apresentam o ‘li’ em vez do ‘lhe’(Não ‘li’ disse. = Não ‘lhe’ disse.) e em vez de ‘o’ ou ‘a’ (Não ‘li’ vi. = Não ‘o’ vi/não ‘a’ vi.).
A substituição constante dos pronomes pessoais oblíquos (lhe, o, a) por ‘li’ virou popular de tal maneira que em todas as classes sociais de Angola quase todos os seus integrantes estão a usar mais a forma popular do que as formas oficiais, deixando para trás os pronomes pessoais oblíquos já mencionados. Agora, dá vergonha falar ‘lhe’, uma vez que a sua evolução (li) está ganhando mais espaço na sociedade angolana.
Tradicionalmente, o pronome ‘lhe’ não desempenha a função sintáctica de complemento directo, mas a sua evolução(li); como podemos perceber nos exemplos acima, tem sido usada como complemento directo também em substituição dos pronomes pessoais ‘a’ e ‘o’.
Actualmente, é mais fácil ouvir a frase Não ‘li’ vi. do que Não ‘o’/’a’ vi. Nota-se que o complemento directo representado por ‘o’/’a’ está a ser substituído por ‘li’ forma não oficial de ‘lhe’ que não desempenha essa função sintáctica.
Por outro lado, é comum o ‘li’ aparecer no começo da frase embora os pronomes oblíquos ão tenham essa permissão. Interessante! Essa evolução está vindo com tudo! Será que a Língua Portuguesa esteja a ser marginalizada ou esteja numa evolução natural? Na verdade, não está a ser marginalizada, porque isso não está a ser feito propositadamente.
O que está a acontecer é o que faz com que uma língua permaneça viva, isto é, capaz de captar informações do ambiente, capaz de absorver novas palavras para o seu enriquecimento. Tendo em conta os processos fonológicos, o pronome oblíquo ‘lhe’ não só tem sofrido supressão por síncope devido à perda do /h/, mas também uma alteração segmental por dissimilação devido ao seu último fonema /e/ que passou para /i/.
Como se pode ver, a Língua Portuguesa está a evoluir dentro do seu sistema. Já sabemos que o ‘li’ é muito usado, agora a pergunta que não se cala é Usar ‘li’ em vez de ‘lhe’, ‘a’ ou ‘o’ é errado? Quando se nota uma evolução linguística muito aceite pelos falantes, os estudiosos ficam reunidos para que possam absorvê-la, ou seja, registá-la no dicionário.
Neste caso, enquanto não encontrarmos em dicionários de português a palavra ‘li’ em substituição de ‘lhe’, ‘a’ e ‘o’, será errado. Nos últimos tempos, em Angola, fala-se da necessidade de existir uma variedade angolana do Português para que os seus cidadãos sejam independentes do Português de Portugal e do Brasil, o que acabaria com muitas confusões nos materiais didácticos de Português em Angola.
Com a variedade angolana do Português, acredito que o ‘lhe’, ‘a’ e ‘o’ entrem em desuso, e o ‘li’ seja oficial; porém, com a falta da dicionarização do ‘li’, só podemos usálo entre amigos (António, não ‘li’ dei o pão.).
Em contextos formais, como escolas, igrejas, assembleias ou tribunais, devemos usar as formas oficiais( lhe, a, o) conforme as suas funções sintácticas, exemplificando: Senhor professor, não ‘lhe’ dei o giz.
O ‘li’, por não estar no dicionário português e por ser visto como uma forma errónea quanto à ortografia, é inadmissível no registo cuidado, corrente e técnico-profissional.
Todavia, no nível familiar e popular, é admissível. Com o reconhecimento da variedade angolana, seria ideal que o ‘li’ fizesse parte do nível corrente e desempenhasse a função sintáctica de complemento directo e indirecto, dependendo da transitividade do verbo que o reger.
Por: Titábias Tadeu
*Gramaticógrafo e professor de Língua Portuguesa