A poeira baixou sobre o Rio de Janeiro, palco da XVII Cimeira do BRICS em Julho. Enquanto o mundo analisava as declarações finais e os desdobramentos geopolíticos entre os gigantes do bloco, um elemento crucial emerge para nós, africanos: a presença robusta e estratégica de nações do nosso continente não foi um mero aceno protocolar, mas um sinal claro do papel indispensável que a África desempenha – e pretende ampliar – na reconfiguração da ordem global.
A escolha do Brasil como anfitrião não foi casual neste momento. Historicamente ponte entre continentes, o país trouxe para a mesa não só os países africanos membros (África do Sul, Egipto e Etiópia), mas abriu as portas com destaque para vozes africanas. Países como Angola, Nigéria e Uganda, entre outros, não estiveram à margem.
Estiveram no centro dos debates cruciais: comércio, financiamento de infra-estruturas, segurança alimentar e energética, e a eterna luta por uma governação multilateral mais justa.
Qual é o significado profundo desta presença massiva e activa?
O BRICS, aspirando a ser um contrapeso ao G7, sabe que o seu projecto só ganha legitimidade e força real com a África. Somos o continente do futuro: maior população jovem, recursos naturais estratégicos inigualáveis, mercados em explosão. A cimeira no Brasil confirmou que o “Sul Global” só se ergue verdadeiramente com a África como coluna vertebral, não como coadjuvante.
O continente é rico em minérios, petróleo, gás e terras férteis. Mas a cimeira evidenciou uma evolução no discurso. Os líderes africanos presentes, incluindo representantes angolanos, não se limitaram a oferecer recursos. Exigiram – e começaram a concretizar – parcerias que impulsionem a industrialização, a transferência de tecnologia e o desenvolvimento de infra-estruturas críticas.
O Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS (NBD) tem de ser fortemente pressionado – e sinalizou compromissos – para financiar projectos transformadores em energia, transportes e conectividade digital em solo africano, gerando empregos e valor acrescentado local. A África do Sul, membro pleno, reforçou o seu papel de advogada dos interesses continentais dentro do núcleo duro do bloco.
Mas igualmente significativa foi a postura assertiva de países convidados, como Angola. A defesa clara de mecanismos comerciais mais favoráveis, a ênfase na segurança energética sustentável e a necessidade de investimentos em capacitação técnica demonstram uma diplomacia africana mais confiante, capaz de negociar de igual para igual, pautando agendas e não apenas reagindo a elas.
A menção específica aos corredores logísticos da SADC e ao potencial de Lobito durante os encontros bilaterais não passou despercebida. A guerra na Ucrânia e as tensões geopolíticas globais escancararam os riscos da dependência excessiva.
Para Angola e seus parceiros africanos, o BRICS oferece uma rota vital de diversificação económica e política. Aprofundar laços com as potências do bloco – cada uma com as suas particularidades – significa ampliar opções de mercados, fontes de investimento e tecnologia, reduzindo a vulnerabilidade a choques externos e pressões unilaterais. A cimeira serviu para tecer esta rede de alternativas mais robusta.
A cimeira do Rio foi um palco poderoso, mas palcos são efémeros. O verdadeiro significado da nossa presença só se materializará na acção consequente. Cabe agora aos nossos governos: Negociar agressivamente os detalhes dos financiamentos do NBD, garantindo projectos viáveis, transparentes e alinhados com as nossas prioridades nacionais e continentais (Agenda 2063); Criar capacidade produtiva interna para aproveitar eventuais quotas ou facilidades de acesso aos mercados do BRICS, indo além da exportação de commodities; Coordenar posições africanas antes das próximas cimeiras, transformando a nossa representatividade numérica em poder de negociação coeso.
A mensagem do Rio é clara: o BRICS precisa da África tanto quanto a África pode precisar do BRICS. Não somos meros espectadores do rearranjo global. Somos – ou devemos ser – arquitectos activos do nosso próprio destino.
A cimeira no Brasil foi um capítulo importante nessa caminhada. Cabe a nós, africanos, escrevermos os próximos com a coragem e a clareza estratégica demonstradas nas margens da Baía de Guanabara. O futuro multipolar exige – e merece – uma África no leme, não apenas a bordo.
Por: ALEXANDRE CHIVALE