Há alguns anos, um engenheiro agrónomo defendeu publicamente uma ideia que, à época, pareceu ousada, mas que hoje se mostra cada vez mais necessária: cada angolano deveria ter uma casa com um quintal suficientemente amplo para cultivar leguminosas e outros alimentos básicos, reforçando assim a segurança alimentar da sua família.
A proposta, longe de ser um “delírio ruralista”, reflectia uma compreensão profunda da realidade cultural angolana, onde a agricultura familiar sempre esteve enraizada no quotidiano das comunidades.
No entanto, poucos a levaram a sério. Isso até que, anos depois, o Executivo abraçou uma iniciativa semelhante, criando um programa de distribuição de pintinhos de raças rústicas para famílias camponesas e criadores, com vista a aumentar a produção interna de frangos e reduzir a dependência das importações. A proposta foi alvo de críticas. Muitos protestaram – alguns por desconhecimento, outros por oportunismo político.
Enquanto isso, o promotor do programa via a floresta inteira, enquanto os do “contra” tinham a visão limitada apenas a uma árvore ou um tronco. O impacto foi silencioso, mas relevante: estabeleceu-se um banco genético de aves em Angola, graças a uma parceria com o Brasil que permitiu trazer ao país pintinhos de matrizes brasileiras e diversificar um mercado até então dominado por galinhas de matrizes europeias e sul-africanas, como a Isa Brown e a Rhode Island Red.
Hoje, o contexto é ainda mais promissor. A aproximação recente entre Angola e o Brasil reposiciona a agricultura e a pecuária no centro da cooperação bilateral. Se bem aproveitada, essa relação pode elevar o programa de avicultura familiar (que inclui a distribuição de pintinhos a diferentes regiões e municípios) a um novo patamar – mais ambicioso, estratégico e sustentável.
Uma parceria com a Embrapa, referência mundial em inovação agrícola, pode ser o catalisador dessa transformação. Essa empresa brasileira tem longa experiência com tecnologias adaptadas à agricultura familiar e urbana
. O seu “Sisteminha”, um modelo de produção integrada que combina a criação de peixes, aves e hortas em pequena escala, é um exemplo disso. Este sistema, pensado para contextos de baixa renda e escassez de espaço, alinha-se perfeitamente à visão original do engenheiro agrónomo Isaac dos Anjos, hoje ministro da Agricultura e Florestas.
Mais do que ecoar a música de Dom Caetano, “o nosso chão dá tudo”, sempre que se fala das potencialidades agrícolas deste país, é hora de Angola apostar de forma estratégica na agricultura doméstica, sem negligenciar, é claro, a mecanizada.
É certamente o desejo de todos nós, enquanto angolanos, ver o nosso país se tornar um grande produtor de grãos e um exemplo no que ao repovoamento de gado bovino, caprino, suíno e aves diz respeito.
Além de reafirmar esse desejo, o próprio Presidente da República, João Lourenço, apontou recentemente, durante visita ao Brasil, como benefícios, para quem assim o fizer, a existência de um mercado local e a facilidade de escoamento para os países vizinhos.
Enquanto se trabalha para atrair grandes investimentos, a adoção em larga escala das hortas de quintal – uma prática familiar para muitos angolanos com mais de 30 anos – pode ser um pilar complementar essencial.
Essa prática pode ajudar a melhorar a nutrição das famílias, contribuir no fortalecimento da economia local, na redução da dependência de importações e no resgate de práticas tradicionais com inovação e sustentabilidade.
É tempo de rever, adaptar e ampliar o programa de avicultura familiar, não por nostalgia, mas como política pública eficaz para um futuro mais soberano e resiliente. Pois, com apoio técnico e metas claras, os quintais dos angolanos podem tornar-se verdadeiras fontes de alimento, renda e dignidade – especialmente em tempos de crise financeira.
Se restarem dúvidas sobre o potencial transformador desse modelo, basta perguntar aos jornalistas e escritores Sousa Jamba e Luís Fernando, que, nas suas redes sociais, partilham experiências pessoais com hortas de quintal, revelando o quanto esse processo pode ser prazeroso, saudável – e necessário.