A necessidade de se criar uma arquitectura sólida de paz e segurança em África, a renovação institucional e a cooperação entre os líderes africanos na busca por soluções para os desafios do continente foram analisadas ontem, em Addis Abeba, Etiópia, numa cerimónia que marcou o início das funções da nova Comissão da União Africana
O Presidente da União Africana (UA), João Lourenço, testemunhou ontem, na Sede da União Africana, Addis Abeba, a cerimónia de posse dos novos membros da Comissão da União Africana, onde acompanhou o juramento do novo presidente da Comissão e dos comissários que passam a integrar o órgão executivo da União Africana.
Na sua intervenção, naquela cerimónia de passagem de pastas que marcou o início de funções da nova Comissão da União Africana, João Lourenço defendeu a necessidade de se assumir um compromisso definitivo para o fim dos conflitos, e como condição essencial para o desenvolvimento de África.
João Lourenço apontou o terrorismo, as mudanças inconstitucionais de Governos democraticamente eleitos e os conflitos que ainda prevalecem, como dos grandes desafios com os quais o continente se depara, defendendo deste modo a necessidade de se trabalhar de forma coordenada para se pôr fim definitivo aos conflitos, a fim de que os líderes africanos possam, posteriormente, passar a dedicar maior atenção às questões relacionadas ao desenvolvimento.
Situação na RDC
A situação na República Democrática do Congo (RDC) marcou também a intervenção do Presidente da União Africana. João Lourenço afirmou que a estratégia para a paz naquele país deve passar pelo afas- tamento de factores externos que alimentam a instabilidade, criando um ambiente favorável para um cessar-fogo duradouro.
“Mesmo tendo havido alguns progressos alentadores de conflitos que pareciam não ter um fim a vista, subsistem ainda alguns que lamentavelmente evoluem num sentido negativo, preocupante e condenável, como é o caso do conflito que perdura no Leste da RDC. Relativamente a este dossiê, decidimos não cruzar os braços e insistir na busca de soluções pacíficas, não permitindo que se concretize a tentativa de reversão pela via militar do poder instituído em Kinshasa”, disse.
Conflito no Sudão do Sul
No que respeita ao conflito no Sudão do Sul, João Lourenço garantiu que vai procurar trabalhar mais de perto com o Presidente do Uganda, Yoweri Museveni, para que sejam afastados os factores externos nocivos e envolver as partes em conflito, num diálogo construtivo que conduza a um clima favorável ao cessar-fogo, à prestação de assistência humanitária urgente às populações afectadas e à solução definitiva do conflito na base da reconciliação nacional e de outros passos que assegurem o fim da guerra e o estabelecimento de uma paz definitiva.
Soluções africanas para problemas africanos
Ainda no seu discurso, o Presidente da União Africana defendeu o princípio de soluções africanas para problemas africanos, apontando para a necessidade da realização de uma ampla conferência reservada apenas à análise dos conflitos em África, cujo foco principal deverá centrar-se na questão da paz para todos os povos do continente.
Defendeu também a aplicação de sanções pesadas contra aqueles que promovem a instabilidade no continente, criticando a postura interna em permitir que sejam as organizações externas a tomarem medidas mais rigorosas contra aqueles que desestabilizam África.
“No plano da paz e segurança em África, é minha convicção que devemos agir no sentido de encontrar soluções africanas para os problemas africanos e conseguir o silenciar das armas, para que esse tema não continue a dominar as nossas agendas e o nosso debate, de uma forma quase que eterna. Devíamos sentir-nos envergonhados com o facto de instituições externas à África, como a União Europeia e o Conselho de Segurança das Nações Unidas, serem, às vezes, mais rigorosas, exigentes e contundentes nas suas posições do que nós próprios no tratamento dos conflitos que se desenrolam no nosso pró- prio continente”, avançou.
Modernização das infra-estruturas
Defendeu, por outra, a modernização das infraestruturas da organização, tendo anunciado a realização de uma conferência continental sobre infraestruturas em África, no decorrer do ano em curso, onde se vai procurar transmitir aos principais parceiros de cooperação a nível bilateral e multilateral, a importância e as vantagens de apostarem no financiamento e investimento em infra-estruturas de interconexão continental, como forma de participarem directamente em todo o processo de desenvolvimento de África.
Reacção
Em reacção ao discurso do Presidente da União Africana, o especialista em Relações Internacionais, Tiago Armando defende que as lideranças africanas devem tomar a dianteira para busca de soluções aos seus problemas. “Este mote não é de hoje, nós já ouvimos isso várias vezes em vários discursos, o que tem pecado é a materialização deste mesmo mote, no sentido de ver as lideranças comprometidas em dar resposta aos problemas africanos com soluções africanas, soluções adaptadas ao contexto local e regional das comunidades.
Isso evitaria a influência excessiva de actores externos, cujas soluções não estão alinhadas com os nossos interesses, e ajudaria no fortalecimento das instituições africanas, promovendo a autonomia das organizações, maior legitimidade e aceitação”, disse.
Para Tiago Armando, as soluções criadas por africanos tendem a ser bem aceites pelas populações, quando satisfazem os interesses das populações e se adequam ao seu contexto. Sublinhou que, uma vez posta em prática, este modelo garante uma visão de crescimento sustentável.
Considerou fundamental a criação de forças africanas de manutenção de paz e mediação de conflitos internos, visto que os africanos têm enfrentado problemas sérios relacionados com a materialização dessas monções de operação de paz e de outras questões que são de ordem financeira. Avançou que este modelo pode ser aplicado também em questões relacionadas com a integração económica e comércio, como o fortalecimento da zona económica de comércio livre, a questão da educação e inovação, a política monetária financeira, a transição energética, entre outros.
“Espera-se que, com a Presidência de Angola na União Africana, se consiga lançar sementes ou bases para continuar a melhorar neste quesito”, salientou. Em relação à punição severa aos terroristas, o especialista considera fundamental que a Presidência de Angola na União Africana continue a envidar esforços de cooperação no domínio da segurança para combater o terrorismo, alegando que a região dos Grandes Lagos tem estado muito vulnerável e susceptível à circulação de grupos terroristas. “Os mecanismos de intercâmbio no sector da defesa e segurança devem ser reforçados por parte dos Estados membros da União Africana. Mais do punir os terroristas, é importante pensar nas medidas de preven- ção e combate ao terrorismo”, concluiu.