Quem é amante da Literatura Angolana, certamente, conhece Ernesto Lara Filho, O Siripipi, um grande poeta angolano radicado na província de Benguela, de resto de uma família tradicional dessa província de Angola, irmão da nacionalista e poetisa angolana Alda Lara.
Lara Filho é um dos poetas angolanos da época da geração da mensagem que mais admiro, porquanto na sua poesia, iniciar-se os primeiros caminhos para o conceito de angolanidade literária.
Basta ler o seu poemário “ Picada de Marimbondo” ou as suas crónicas com grande pendor regionalista, por isso, não é hiperbólico considerá-lo como um dos pioneiros do nativismo e regionalismo na nossa literatura. Lara Filho destaca-se por ser incipiente na exaltação da fauna, flora, relevo e cultura angolana nos seus textos.
Deste modo, a título de início desta reflexão, importa aqui compreender o conceito de angolanidade como uma ideia abstrata pluralística, visto que faz referência a uma multiculturalidade existentes em Angola.
Tal multiculturalidade vai de encontro a ideia de país Angola a nível geográfico, sustentada pela repartição de África na Conferência de Berlim, logo a angolanidade é um conceito que se encerra nos âmbitos social e cultural, daí acharmos falacioso entender o ideal “ um povo e uma só nação” apresentado por Dr. Agostinho Neto aquando da proclamação da independência como um princípio que ignora a multiculturalidade e as várias Angola(s) no território angolano, mas sim como um ideal aspiratório, ou seja, como algo que se quisesse alcançar a partir daquela data, assim, a nosso ver, o ideal netiano era consciente das várias Angolas presentes no nosso território.
Destarte, a angolanidade não é a identidade, mas sim um conjunto de identidades ou características que pertencem aos povos autóctones como também a disposição geográfica, a fauna e flora características deste país.
Vale também referir que Lara Filho, o escritor em análise, é claramente, um dos pioneiros de uma escrita reivindicativa, inconformista e denunciadora, mas que também aproveita através da palavra escrita apresentar o espaço geográfico que se chama Angola com uma poesia bastante regionalista, como afirmámos acima.
Um dos poemas com muito sucesso de Lara Filho é o Picada de Marimbondo, escrito em 1960. O poema possui uma estrutura modernista na medida em que a sua forma não é uma daquelas fixas e tradicionais e há mais uma procupação com a beleza da mensagem a transmitir que com a estrutura do poema.
O poema é dedicado à Pila, possivelmente um amigo de infância do próprio autor. Por outra, Picada de Marimbondo foi musicado pelo grande músico angolano Filipe Mukenga, numa grande canção para se ouvir.
Trata-se de um poema com cinco estrofes e versos bastante curtos e que apesar de não ter aquela grande preocupação com a rima, própria da forma tradicional, há ainda combinação de palavras, no final de cada verso, que são paróxitonas.
Abaixo dar-lhes-mos- a ler parte do poema: Picada de Marimbondo/Junto da mandioqueira/do muro de adobe/vi surgir um marimbondo/Vinha zunindo.
O poema é uma ode a um insecto muito comum na fauna angolana, marimbondo, que diferente do martindindi, título de outro poema, este insecto não se encontra apenas em Angola.
Tal vespa é caracterizada por possuir uma picada muito forte e é desta picada que o sujeito poético deste poema procura descrever.
Reparese que o sujeito poético neste poema procura igualmente apresentar a angolanidade não só ao criar uma ode a este género de vespa muito comum, mas sobretudo, porque ao longo do texto vai apresentando um conjunto de palavras que remetem à peculiaridade angolana.
No entanto, antes de tudo comecemos mesmo com a palavra marimbondo que é de origem africana mais especificamente angolana, pois é um significante usado para denominar um insecto muito comum na nossa fauna.
Deste modo, a angolanidade, a identidade Angola, e aqui neste caso da Benguela rural, não é só ,na realidade, o próprio insecto, mas também a própria palavra marimbondo que deriva da língua nacional quimbundu, ou seja, esta palavra é pode ser tida como uma representação de uma das identidades de Angola, a ambundu.
Por outro lado, outros indicadores de angolanidade ou regionalismos, se quisermos, neste poema, são nomeadamente as palavras, mandioca, adobe, casuarina, acácias, zunido e cazuza. Comecemos com as duas últimas palavras, isto é, cazuza e zunido.
O nome cazuza é utilizado para denominar uma vespa e zunido é uma palavra onomatopaica por ser uma imitação dos sons de uma vespa, logo estas duas palavras retomam a ideia de marimbondo.
Já a palavra acácia remete para um tipo de árvore muito comum na província de Benguela, sendo até considerada como um símbolo desta região do país, assim como também a casuarina, uma árvore muito comum na cidade em que pertence o autor.
Enquanto que a palavra adobe faz referência de uma construção de barro muito comum também nas zonas rurais de Angola, já a mandioca como uma raiz bastante típica na cadeia alimentar de alguns povos deo nosso território.
Fala-se então que este poema faz um retrato dalgumas peculiaridade do sudeste angolano, mas precisamente de Benguela e é, portanto, um poema regionalista, visto que comporta aquilo que chamamos de angolanidade, isto é, identidade.
De resto, o que se pode dizer é que neste texto o sujeito poético exalta a realidade espacial angolana, uma vez que ao lermos, vê-se logo que se está a fazer de uma descrição quer da fauna, ao referir o marimbondo, como também até um certo ponto da realidade social ao referir-se ao muro de adobe já na primeira estrofe.
O poema é uma clara apresentação da peculariedade da região do sudeste angolano. Tudo no texto literário é simbólico, ora já demonstramos como é que este texto possui marca de angolanidade, por agora, vamos tentar descodificar o texto,repare-se que ainda na primeira estrofe o eu-lírico nos apresenta um marimbondu que parece inofensivo, veja:
Junto da mandioqueira/perto do muro de adobe/vi surgir um marimbondo/Vinha zunindo/cazuza! O marimbondo que parece inofensivo, vinha zunindo, com um certo som que lhe é característico.
A nosso ver, o marimbondo representa simbolicamente o povo que naquela época apesar de não dispor de grandes armas para poder lutar contra o regime ainda lutava, mas que no final agigantou-se.
Todavia, agora vamos passar para outra análise, porquanto os textos do nosso autor conversam uns com os outros.
Por: Fernando Tchacupomba