A realização da Cimeira Estados Unidos-África representa um marco na consolidação das relações entre Angola e os EUA para o continente africano – mas, sobretudo, um ganho importante para a diplomacia económica angolana. A leitura é de analistas políticos, que consideram o evento uma resposta ao cepticismo político que marcou o período prévio à sua concretização
“Já houve muito cepticismo quanto à realização da Cimeira. Alguns sectores da oposição até desejavam que ela não se realizasse”, comentou o analista Bali Chionga, que apontou duas motivações principais para esta descrença – nomeadamente a proliferação de fake news sobre o posicionamento da administração Trump em relação a Angola e a desvalorização da vinda do Presidente Joe Biden ao país, por estar em fim de mandato.
Para Bali Chionga, a realização da Cimeira confirma que “os Estados têm cada vez mais necessidade uns dos outros” e que “as relações diplomáticas são, hoje, essencialmente económicas”. Sublinhou que empresários norte-americanos estão interessados em investir em Angola e que, se o Governo norte-americano não apoiar este interesse, pode perder credibilidade junto dos seus próprios grupos económicos.
África no centro das atenções
Bali Chionga realçou ainda o simbolismo de o encontro acontecer em Angola, país que neste momento preside à União Africana. “É uma oportunidade tremenda. Angola, como capital política do continente por via do seu Presidente, torna-se também o centro da congregação de empresários interessados em dinamizar a economia africana”, observou, destacando iniciativas como o Corredor do Lobito, que vê como uma aposta privada, e não apenas de Estados.
No entanto, o analista não poupou críticas internas: “A especulação de preços nos hotéis durante eventos como este afugenta investidores e turistas. Precisamos de estabilidade e regularidade nos preços”.
Segundo Bali Chionga, Angola tem pela frente oportunidades únicas no sector agrícola e tecnológico. Apontou o sucesso do ANGOTIC como sinal da vitalidade do ecossistema digital nacional, mas alertou para a necessidade de organização interna. “Temos que estar preparados para acolher e fazer parcerias com investidores estrangeiros.”
Relações com EUA e China não se contradizem
Questionado sobre eventuais riscos no equilíbrio das relações entre Angola, EUA e a China, Bali Chionga foi perentório: “Não há perigo. A China tem relações com os EUA. Por que não deveríamos nós ter relações com ambos? Isto é soberania”.
E acrescentou: “A ausência do Presidente João Lourenço na última cimeira do FOCAC foi uma decisão estratégica, justificada pela agenda nacional. Não somos vassalos de ninguém.”
O analista desdramatizou ainda as preocupações com um eventual impacto negativo com a administração Trump e referiu que as medidas como as tarifas e restrições migratórias são temporárias e passíveis de reversão. “Não devemos misturar os assuntos.
As relações diplomáticas vão além de uma administração específica.” Para Bali Chionga, a Cimeira representa um novo fôlego para Angola no palco internacional. “A diplomacia do Presidente João Lourenço tem-se mostrado corajosa, visionária e pragmática.
Angola está mais respeitada no Concerto das Nações e sabe com quem e quando se deve relacionar.” “Se a nossa relação com os Estados Unidos incomodar a China, que incomode. Nós somos um país soberano”, disse. Bali Chionga.
“Angola está no centro do novo jogo de interesses globais”
Já o politólogo Hélder Carvalho corrobora a visão de que a Cimeira representa uma inflexão geoestratégica. Para ele, o encontro inscreve-se num contexto de disputa global de influência em África, especialmente entre os Estados Unidos e a China.
“Angola, neste momento, assume uma posição de pivô. Ao manter relações com Washington, Pequim e Moscovo ao mesmo tempo, afirma-se como país soberano e pragmático. Isto atrai respeito”, comentou.
Hélder Carvalho vê ainda na presidência angolana da União Africana uma vantagem institucional: “O facto de Angola presidir actualmente a União Africana oferecelhe uma plataforma reforçada de visibilidade continental.
A escolha de Luanda para acolher esta Cimeira não é inocente, é estratégica”, considerou. Por sua vez, o professor universitário e especialista em políticas públicas Martins Domingos olha para o evento como uma janela de oportunidade para o país redefinir prioridades internamente.
Martins Domingos ressaltou ainda o papel da agricultura, que no seu ponto de vista joga um papel importante no desenvolvimento de Angola e do continente. “Angola tem terras férteis, clima propício e um mercado subaproveitado.
O interesse de investidores estrangeiros no sector agrícola deve ser aproveitado com inteligência e organização. Precisamos preparar as cooperativas, formar os jovens agricultores e criar esquemas de financiamento rural”, sugeriu.