Em Angola, falar português é mais do que comunicar — é também um ato de identidade, de história e de resistência.
Herdamos essa língua durante o período colonial, mas, com o tempo, ela deixou de ser apenas o idioma do colonizador para se tornar uma das formas mais potentes de expressão do povo angolano.
O escritor angolano Pepetela já escreveu: “Cada língua transporta uma maneira de ver o mundo.” E o português falado em Angola carrega justamente isso — uma forma própria de enxergar, sentir e transformar a realidade.
É um idioma atravessado pelas línguas nacionais, pela música, pelos provérbios e pela criatividade cotidiana. Mia Couto, embora moçambicano, ajuda a compreender esse processo ao dizer que “não falamos português, fazemos português”.
Essa frase também serve para Angola, onde o português se molda ao ritmo da nossa terra, com sotaques, expressões e estruturas que não se aprendem nos manuais de gramática, mas sim na convivência com o povo.
Além disso, como disse Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola e também poeta: “A poesia está em tudo: na terra, no povo, na língua.”
Ao valorizarmos a nossa forma de falar português — influenciada por línguas como o quimbundo, umbundo, kikongo, tchokwé — estamos também afirmando a beleza da nossa diversidade cultural. Falar português em Angola é, muitas vezes, um ato de equilíbrio entre mundos.
É navegar entre o que nos foi imposto e o que ressignificamos. É usar a língua para contar as nossas histórias, denunciar injustiças, cantar o amor e expressar sonhos.
Em cada bairro, em cada cidade, o português ganha nuances locais, se enriquece com o saber popular, e revela a alma de um povo resiliente.
As escolas ensinam o português formal, mas é nas ruas, nas canções, no teatro, nos mercados e nos lares que a língua ganha vida. O português angolano é cheio de afetos, de sabedoria ancestral e de invenção.
Nele cabem os risos das crianças, os conselhos dos mais velhos e a vibração da juventude. “Nossa terra, nossa língua” é, portanto, um grito de pertencimento.
É reconhecer que o português angolano é nosso por direito e por criação. É um espelho da nossa história, um instrumento da nossa arte e um caminho para o nosso futuro.
Falar a nossa versão do português é afirmar que somos donos da nossa voz — e com ela, seguimos construindo uma Angola cada vez mais rica, plural e consciente da sua identidade.
Por: MARCOS DALA
*Professor