Depois de quase um mês a percorrer o país de norte a sul, a digressão chega ao fim. E com ela, chega também aquela sensação tão familiar de que o melhor de qualquer viagem… é regressar. Há algo de profundamente simbólico no regresso.
É mais do que voltar a casa — é voltar a si mesmo. Depois de tantos rostos, vozes, cheiros, paisagens e ritmos diferentes, o corpo pede abrigo, e a alma, silêncio para assimilar tudo o que viveu.
Foram dias de estrada, de encontros marcantes, de desafios logísticos, mas também de muita troca humana e enriquecimento cultural. Viajar por Angola é uma experiência que vai muito além do deslocamento geográfico.
É uma travessia interior. De um lado fui chamado de mundele, noutro de mwana mundele, e em certas paragens, “Le Blanc” bastava. E houve locais onde não era preciso nome — era apenas mais um entre muitos.
Essa multiplicidade de formas de nomear, de olhar, de receber, diz muito sobre a riqueza do nosso povo. Cada nome era uma porta para um universo cultural distinto. Angola não é uma só. Angola é muitas.
E essa pluralidade, longe de ser um desafio, é a sua grande beleza. Cada província tem o seu sotaque, o seu tom emocional, o seu jeito de viver e de mostrar o mundo. E isso manifesta-se nas palavras, no tempero da comida, na musicalidade do dia a dia, nos gestos de hospitalidade. É como se, em cada esquina, a terra tivesse guardado um segredo antigo, uma memória ancestral que continua a pulsar.
Muitos olham para Angola e falam das suas paisagens — da imensidão do Namibe, da serenidade do Kwanza, da imponência das quedas do Calandula. E sim, é tudo isso. Mas o que me tocou mais profundamente foram as pessoas.
Em cada cidade, vila ou aldeia, encontrei corações abertos, sorrisos sinceros, histórias contadas com os olhos. Gente com pouco, mas que dá muito. Gente que acolhe com chá, com mandioca ou batata-doce, com palavras doces ou apenas com silêncio respeitoso.
É impossível não sair transformado depois de conviver com essa generosidade quase instintiva que ainda existe em muitos recantos do país. Mesmo quando a vida é dura, mesmo quando as condições não são as ideais, o povo angolano sabe sorrir.
Sabe partilhar. Sabe fazer com que o outro se sinta em casa — mesmo estando longe dela. O que mais me comoveu nesta digressão foi perceber que, apesar das diferenças visíveis — de sotaques, hábitos, ritmos e até de visões do mundo —, há algo invisível que nos liga a todos. Uma essência.
Um sentimento de pertença. Uma Angola que não se vê, mas que se sente. Vi isso em Benguela, vi isso no Zaire, vi isso no Dundo e em cada lugar onde estive:o amor pela terra, a vontade de contribuir, a força do colectivo, mesmo quando as condições são adversas. E isso dá esperança.
Mas acima de tudo, esta viagem ensinou-me — mais uma vez — a importância de ver para além da superfície. Quantas vezes julgamos o todo por uma parte? Quantas vezes olhamos sem realmente ver? Cada rosto com que me cruzei tinha uma história por detrás.
E muitas delas não eram fáceis. Mas eram histórias de resistência, de dignidade, de fé. E de orgulho por fazer parte desta Angola de mil vozes e mil cores. Hoje, enquanto arrumo as malas para voltar, sei que trago muito mais do que roupas, Trago uma nova forma de olhar.
E deixo-lhe este convite: que tal se também nós, mesmo sem sair do lugar, começássemos a ver o outro com olhos novos? Porque Angola é feita por todos nós. E se aprendermos a valorizar as nossas diferenças, os nossos sotaques, os nossos modos de ser — se deixarmos de tentar uniformizar para começar a compreender — então talvez este país, que já é abençoado por natureza, possa também crescer em unidade e consciência. Viajar transforma. Mas regressar ensina.
E a lição mais bonita que trago comigo é esta: A verdadeira beleza de Angola está nas pessoas. E quando o coração está aberto, qualquer canto do país se torna casa. Que Deus abençoe a sua jornada e lhe conceda olhos atentos, coração disponível e gratidão pelos encontros que a vida lhe traz. Receba o carinhoso e apertado abraço, bem como a promessa de voltar com mais partilhas. N’gassakidila.
Por: LÍDIO CÂNDIDO “VALDY”