O sector das pescas no país enfrenta uma crise sem precedentes, o que leva as empresas a reduzirem o número de embarcações e, consequentemente, o de funcionários. Em um mês, por exemplo, uma embarcação moderna não consegue atingir a cifra de 100 toneladas, segundo apurou o jornal OPAÍS
A situação preocupa não só quem vive dos proventos da pesca, como também quem se dedica ao estudo e à preservação de várias espécies marinhas. Pescarias que tinham 12 embarcações viram-se obrigadas a reduzir para três e, com isso, a cifra de até 200 operários activos para a descarga e a lavagem do pescado caiu entre 50 a 30 operários, conforme atesta o engenheiro ambiental Mauro Ferreira, co-fundador da Organização de Conservação Marinha “Guardiões da Costa Mwangolé”.
“A produção, o índice per capita está muito em baixo. Posso dizer que dentro daquilo que era o índice há 10 anos, está abaixo de 50% ou menos”, desabafou o membro desta organização que tem como escopo a protecção de zonas marinhas e costeiras.
Para ilustrar a gravidade, o jovem, que trabalhou durante doze anos numa empresa pesqueira, contou que antigamente tinham maior facilidade de encontrarem a espécie de carapau e a outras suas subespécies deste peixe, a que chamam o 20+ (indica peixes de pelo menos 20 centímetros), o “M” (Médio) ou o “G” (Grande). “Hoje em dia, é muito raro encontrar”, sublinhou.
Antes da crise, o cenário era bastante animador, pois várias embarcações artesanais, semiindustriais ou industriais atracavam carregadas de centenas de toneladas de diversas espécies como o carapau, o malundo, que é a cavala, e a sardinha, apelidada de “lambula”.
Agora, segundo a fonte, o carapau tornou-se ouro, quase que não há. O malundo aparece, muito raro, e a lambula, que era dispensada, também. Daí que o preço da caixa de 20 kg, além da desvalorização e a inflação da caixa, que era 2.000 kwanzas em 2018, esteja a custar até 23.000 kwanzas. Esse fenómeno resulta de uma série de factores que vão desde a pesca descontrolada até as consequências do aquecimento global.
“Pelo que ouvi dos mestres da pesca industrial, um deles que conheci e já não está entre nós, tinha 83 anos, há 20 anos ocorreu esse fenómeno na Bahia Farta. Um fenómeno natural em que as espécies afastam-se da costa e vão para outras zonas. Isto é natural”, frisou.
Porém, segundo o estudo intitulado “Diagnóstico Sectorial Sobre a Pesca em Angola: enfoque na pesca artesanal e de pequena escala”, publicado pela União Europeia no ano passado, há provas de que as alterações climáticas estão a afectar a dinâmica das correntes ao largo do nosso país. “Prevê-se que as alterações da temperatura dos oceanos e dos ventos alísios tenham um impacto significativo na Corrente de Benguela.
Em particular, uma redução no vento alísio de Leste poderá diminuir a velocidade da corrente, causando o enfraquecimento do fenómeno da afloramento e consequentes concentrações de nutrientes”, lê-se no estudo a que o jornal OPAÍS teve acesso.
Os pesquisadores revelam ainda que o aquecimento dos oceanos pode afectar a distribuição de peixes e outras espécies marinhas que dependem da Corrente de Benguela para a sua sobrevivência. Razão pela qual alertam que isto poderá ter um impacto significativo nas comunidades piscatórias e na indústria pesqueira da região.
Explicam ainda que a escala dos fenómenos climáticos ligados ao aquecimento global torna mais incertas as previsões da biomassa dos pequenos pelágicos e, consequentemente, toda a fauna aquática do sistema da Corrente de Benguela, incluindo as espécies presentes na costa angolana.